O retrato de um país de imigrantes

Em 2022 entraram em Portugal 118 mil imigrantes, o número mais alto desde que há registos. Apesar da sua forte tradição emigrante, o país tem vindo a registar saldos migratórios positivos. Desde 2017 são mais as pessoas que entram do que aquelas que saem. O número de pessoas a procurar Portugal para viver é cada vez maior e a sua proveniência é mais diversa. Os efeitos destas dinâmicas fazem-se sentir em diversos domínios. Estará o país preparado para este perfil migratório? Portugal como destino Segundo os dados censitários de 2021, mais de 5% da população residente em Portugal tinha nacionalidade estrangeira. Os dados dizem-nos que em 10 anos houve um aumento de 37%. Embora a chegada de imigrantes seja transversal a todo o país, quase 60% destas pessoas vivem na Área Metropolitana de Lisboa e no Algarve. A origem da imigração tem mudado muito nas últimas décadas. Segundo o sociólogo Pedro Góis, o país passou por diferentes vagas de imigração no século XX. Nos anos 30 os principais fluxos migratórios eram originários da Galiza e tinham como principal destino Lisboa. A partir dos anos 60 a imigração passa a ser oriunda sobretudo das ex colónias africanas, marcando mais tarde a década de 70 que viu a chegada de um grande número de portugueses, refugiados e imigrantes gerados pela descolonização. À entrada do século XXI, o leste europeu passa a ser uma das origens mais representativas da imigração. Nos anos mais recentes Portugal passou a ser atrativo para pessoas de origens mais longínquas, como as de países do sudeste asiático. Mas é do Brasil que provém o maior número de imigrantes, representando um terço do total. Segue-se o Reino Unido e também Cabo Verde. Migração laboral A imigração em Portugal tem um perfil essencialmente laboral. Segundo o último relatório do Observatório de Imigrações, do ano 2022, a população estrangeira tem proporcionalmente uma maior capacidade contributiva para a Segurança Social do que a portuguesa, e foi responsável por um saldo positivo de 1,6 mil milhões de euros. A população estrangeira residente é também mais jovem, o que se reflete em taxas de natalidade mais elevadas. Nos anos 30 os principais fluxos migratórios a Portugal eram originários da Galiza e tinham como principal destino Lisboa No entanto, a comunidade imigrante exerce tendencialmente funções abaixo das suas habilitações e aufere salários mais baixos. Dados recentes dizem que os imigrantes ganham em média menos de 94 euros mensais do que a média da população portuguesa. A esta realidade não é alheio o facto de Portugal ser o quarto país com maior precariedade laboral entre estrangeiros na União Europeia. Isto ajuda a explicar que quase um terço dos imigrantes se encontre em situação de pobreza ou exclusão social, acima do já elevado valor de 19,8% da população portuguesa. Os entraves que persistem e as ameaças que surgem Portugal esteve nas bocas do mundo quando nos primeiros meses da pandemia de Covid-19 o Governo anunciou que as pessoas em processo de reconhecimento de estatuto de imigrante ou refugiado receberiam o mesmo tratamento de saúde que qualquer residente. Mas a igualdade de tratamento contrastou com o que se soube poucos meses depois sobre a vida de milhares de imigrantes que trabalhavam na agricultura intensiva do sudoeste alentejano. As televisões mostraram imagens chocantes de casas, armazéns e anexos repletos de gente a viver em condições desumanas. Há centenas de investigações em curso sobre redes de apoio à imigração ilegal e tráfico de pessoas, mas os meios de investigação e fiscalização parecem escassos face às muitas situações de abuso e exploração laboral. No contexto europeu onde as agendas anti-imigração têm avançado, Portugal continua a manter uma postura recetiva à imigração. No entanto, existem múltiplas barreiras burocráticas e situações de discriminação que condicionam o acesso de quem vem de fora a direitos fundamentais. Os ataques a imigrantes e o uso da expressão "vai para a tua terra" são ainda recorrentes na sociedade portuguesa. À medida que o país fortalece a sua posição de recetor, a extrema-direita reforça o seu discurso racista e xenófobo. O partido que a representa em Portugal reivindica um consenso à direita para mudar a política de imigração e introduzir medidas contra a chegada de pessoas provenientes de zonas a que chama de "extremismo islâmico". Há um risco sério de as próximas eleições legislativas abrirem espaço político para o avanço desta agenda.