Entrevista

Mariana Mortágua (Bloco de Esquerda): "Portugal necessita uma viragem e mudar as políticas de António Costa"

Nasceu em 1986 em Alvito, na região do Alentejo, e desde 2023 é a coordenadora nacional do Bloco de Esquerda (BE). Mariana Mortágua é candidata do seu partido nas eleições legislativas em Portugal que terão lugar o 10 de março em que o BE visa recuperar espaço eleitoral. Mortágua visitou a Galiza para acompanhar de perto o processo pré-eleitoral galego e visitou a redação de 'Nós Diario' para conversar acerca da situação política na Galiza e em Portugal.
Mariana Mortágua, coordenadora nacional do Bloco de Esquerda (Foto: Arxina).
photo_camera Mariana Mortágua, coordenadora nacional do Bloco de Esquerda, na redacción de 'Nós Diario'. (Foto: Arxina).

—O 10 de março serão as eleições legislativas em Portugal, Quais são as suas expectativas e, se se der o caso, é a favor de um pacto de governo com o Partido Socialista (PS) e a Coligação Democrática Unitária (CDU)?
As expectativas são que possa haver uma maioria para dar uma viragem em Portugal, e essa viragem tem de ser em relação à maioria absoluta do PS porque é preciso mudar as políticas do PS. Acreditamos que o Bloco de Esquerda vai ter um bom resultado que será determinante para duas coisas que são muito importantes: derrotar a direita e conseguir ter maioria de deputados para aprovar medidas importantes. Temos problemas muito graves na habitação, na saúde, na educação e um problema grave de salários.

Isto responde a segunda pergunta. Nós já dissemos publicamente que sim cremos no acordo com o PS e com a CDU, um acordo em torno de medidas concretas que virem a página do ciclo da maioria absoluta.

—Como analisa o resultado do BE nas últimas eleições autárquicas?
O BE tem um percurso difícil nas eleições autárquicas. É um partido que tradicionalmente tem melhores votações nas legislativas e nas europeias, algo que tem a ver com vários fatores: com a sua história, o facto de sermos um partido mais recente e termos um caráter mais nacional e menos autárquico; contudo, temos vindo a ganhar muita experiência. Temos vereador eleito neste momento no Porto e em Lisboa e aos poucos estamos a conseguir melhorar os nossos resultados.

—Como vê a situação política em Portugal, especialmente após a demissão do primeiro-ministro António Costa?
A situação é complexa. O António Costa decidiu demitir, tomou essa decisão e isso teve a ver com uma investigação judicial e um conjunto de atos no governo. Sobre isso há várias coisas que é importante dizer: há em Portugal um regime de portas giratórias, de favorecimentos de grandes empresas, interferência do poder privado nas decisões do Estado que não de hoje, é quase uma forma de fazer as coisas que tem permeado todos os governos das últimas décadas. Também, quando o primeiro-ministro foi envolvido neste processo judicial, as razões desse envolvimento não foram muito claras e ainda hoje não foram explicadas pelo Ministério Público.

Ainda assim, o primeiro-ministro demite porque, entre outras coisas, foram encontrados 75.000 euros ao seu chefe de gabinete e porque o país está em uma situação política muito degradada que reflete uma crise social: o facto de uma pessoa com 30 anos não ter dinheiro para comprar uma casa, o facto de ter urgências fechadas no país com profissionais que emigram cada dia... Essa crise social está na raiz do fim da maioria absoluta do PS e a demissão do António Costa.

—Quais é que são as principais necessidades de Portugal e quais seriam as primeiras medidas a tomar caso terem responsabilidades e governo?
Há várias necessidades muito urgentes: temos dado um grande destaque à habitação, à especulação imobiliária, ao turismo nas grandes cidades, e ao aumento dos juros do Banco Central Europeu que criou uma tempestade perfeita que faz com que seja impossível aceder a uma casa. Por isso as nossas medidas em relação com a habitação são, por exemplo, regular o mercado de arrendamento com contratos mais estáveis, proibir a venda de casas a pessoas não residentes ou utilização de património público para abrir residências para estudantes ou habitação pública.

A segunda prioridade tem a ver com os salários. São muito baixos em Portugal, neste momento o salário mínimo é de 820 euros e o PS o que propõe é que em 2028 o salário mínimo chegue a 1.000 euros. insuficiente. Nós propomos um salário mínimo de 900 euros já em 2024 e que suba todos os anos da legislatura 50 euros mais a inflação. E além disto são também precisas medidas para controlar o salário médio e para isso necessitam-se medidas mais complexas como contratação coletiva.

—Mencionou o turismo, um problema que na Galiza também afeta especialmente. Que cidades é que estão mais afetadas em Portugal e como querem solucionar o problema?
Lisboa, Funchal, Faro e Porto são as mais afetadas. Portugal bateu recordes de turismo históricos em todos os níveis, cada cinco dias em Portugal abre um novo hotel o que quer dizer que as habitações estão a ser consumidas pelo turismo. Há outros problemas como o desgaste de recursos que o turismo em massa faz e até a construção de ressortes e luxo em zonas de seca como a costa alentejana.

As medidas mais imediatas que nós temos neste momento é a regulamentação do Airbnb para criar zonas de contenção nas cidades, sendo que neste momento há freguesias no município de Lisboa onde há mais casas em Airbnb do que casas em habitação. Outra medida é uma moratória à construção de hotéis: parar de construir hotéis e também subir o IVA do turismo.

—Sobre emigração, algo que Portugal também partilha com a Galiza. Qual é que é a magnitude do problema?
Portugal é o Estado da Europa com maior taxa de imigração e uma das maiores do mundo: são 70.000 pessoas que saem todos os anos do país o que quer dizer que 30% dos jovens portugueses emigraram ao estrangeiro nos últimos anos. Saíram por razões diferentes em alturas diferentes, mas a sequência da crise da Troika, crise da pandemia, crise da inflação e a crise da guerra na Ucrânia foi fatal para a minha geração por exemplo, é uma crise atrás de outra.

O principal problema da emigração é o salário, não há outro. Uma pessoa que aos 20 anos começa a trabalhar e ganha 1.000 euros, aos 35 anos continua a ganhar 1.000 euros e provavelmente com o mesmo contrato precário. E quem é que está a emigrar? São os enfermeiros, são os médicos... os jovens mais qualificados que encontram bons trabalhos fora e que pagam aquilo que em Portugal não se paga.

—A senhora vem de uma família com um grande compromisso político. Seu pai foi fundador da Liga de Unidade e Ação Revolucionária (LUAR) e participou do assalto ao Santa Maria; sua irmã também forma parte do BE e é deputada na Assembleia da República. O compromisso político e militante é algo que a senhora leva no sangue, não é?
É. Meu pai tem uma história de antifascismo, com companheiros aqui da Galiza também, de combate ao Salazar e ao Franco nestas ditaduras irmãs que foram o pior que aconteceu na nossa história. Meu pai viveu quase sempre no exílio a combater o fascismo, mas foi uma luta nunca partidária, nunca teve um partido até que se afiliou ao Bloco de Esquerda já mais tarde na sua vida.

Isso é obvio que me deu uma carga política sobre o que é a pobreza ou a justiça e a minha mãe que é assistente social também tem essa vertente muito forte. Aliás, os dois conheceram-se na reforma agrária a seguir o 25 de abril, por isso nós somos filhas da revolução e isso faz com que essa memória do que foi o fascismo esteja muito presente em nós.

—O 18 de fevereiro a Galiza elege o seu Parlamento e, portanto, a próxima pessoa a ocupar a Presidência do governo galego. Está a acompanhar a situação política na Galiza?
Sim, acompanhamos com muita responsabilidade, proximidade e carinho. Em primeiro lugar pela nossa relação histórica com a Galiza, uma relação que o BE preserva e quer garantir, todos os anos vimos à Galiza. Somos apoiantes do nacionalismo galego e dos seus esforços pela independência, pela autonomia e pelo respeito pela sua história.

Temos um compromisso político claro com a causa independentista galega e com as lutas justas do Bloque Nacionalista Galego que tem uma base operária e trabalhadora que nos liga. Esta relação com a Galiza e com o BNG faz com que acompanhemos muito de perto as eleições porque nos consideramos partidos irmãos com posições conjuntas na maior parte dos assuntos.

Ana Pontón e Mariana Mortágua no Parlamenta galego (Foto: Nós Diario).
Ana Pontón e Mariana Mortágua no Parlamenta galego. (Foto: Nós Diario).

A hipótese de o BNG quebrar uma maioria absoluta do PP é uma hipótese histórica e uma rutura que se abre e que é importante não só para o Estado espanhol mas também para Portugal. Por isso estaremos aqui a apoiar e prestar toda a nossa solidariedade a Ana Pontón e ao BNG e esperar que o próximo 18 de fevereiro haja um governo liderado pelo BNG e Ana Pontón.

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