Quem semeia ventos, colhe tempestades

No passado dia 6 de fevereiro estive quase uma hora parada na fronteira em Valença do Minho. Longe dos dias de restrições à mobilidade da pandemia do Covid-19, surpreendeu-me a demora. Tal como milhares de pessoas cruzo frequentemente esta fronteira convicta de que esta é uma simples cicatriz deixada pela História. Rapidamente entendi que a demora se devia ao bloqueio da via por manifestantes. Movidos por reivindicações semelhantes, agricultores da Galiza e do Norte de Portugal coordenaram-se para promover ações de protesto que têm passado, entre outras coisas, por condicionar a mobilidade transfronteiriça. As faíscas que chegam de outros territórios europeus acenderam o descontentamento de um setor que há anos se queixa de baixos rendimentos, excessiva burocratização das normativas europeias e competição desleal de produtos estrangeiros. Nas últimas semanas e por toda a Península Ibérica têm-se registado inúmeros protestos. Quais são as sementes que originaram esta tempestade? Mil trabalhadores a menos Em 1986, quando Portugal aderiu à então Comunidade Europeia, o setor agrícola empregava 18,9% da população ativa e era responsável por 5,2% do PIB. Desde então, a importância da agricultura em termos de riqueza e trabalho tem vindo a diminuir drasticamente. Entre 1989 e 2019 o setor perdeu quase um milhão de trabalhadores. A falta de atratividade do emprego agrícola explica-se por esta ser uma das atividades mais mal remuneradas do país. Em 2020 o salário médio do setor da agricultura e pescas foi de 823 euros, 21% abaixo do da média dos trabalhadores por conta de outrem. Existem, ainda assim, diferenças regionais devido ao tipo de propriedade e culturas que caraterizam as diferentes partes do país. Perda de relevância São várias as transformações económicas, sociais, tecnológicas e também institucionais que explicam a evolução do setor. No entanto, parece evidente que a aplicação das verbas e regras da Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia e das políticas desenhadas para o setor pelos sucessivos governos falharam. O interior do país abandonado e desertificado é o espelho desse fracasso. A falta de atratividade do emprego agrícola explica-se por esta ser uma das atividades mais mal remuneradas do país Para além das décadas acumuladas de perda de relevância económica e social, a agricultura tem sido especialmente fustigada pela subida dos preços dos últimos anos. Segundo dados do INE, entre 2021 e 2022, houve um aumento dos custos de produção de 23,7%, o que ajuda a explica a quebra acentuada de 11,7% em termos reais no rendimento da atividade agrícola. Este é um setor especialmente exposto ao aumento dos preços da energia, combustíveis e fertilizantes. A seca que nos últimos anos tem afetado especialmente os territórios do sul da Península Ibérica intensifica as dificuldades. Preços injustos A perda de rendimento da agricultura surpreende quem consome e tem visto o preço do cabaz alimentar aumentar continuamente desde 2021. De facto, entre quem produz e quem consome há uma longa distância. Enquanto a subida dos preços empobrece agricultores e consumidores, os grandes grupos nacionais de retalho alimentar, Jerónimo Martins e MC Sonae, detentores dos supermercados Pingo Doce e Continente, aceleram a sua acumulação de riqueza. Segundo a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) em 2022 as margens de lucro brutas dos retalhistas chegaram a 50% em certos produtos alimentares essenciais como ovos, laranjas, cenouras, entre outros. A Confederação Nacional de Agricultura denuncia elevadas diferenças entre o valor pago aos agricultores e aquele que é cobrado aos consumidores. Recorrendo aos dados do Observatório de Preços Agroalimentar alegam que em certos produtos hortícolas a diferença entre estres preços chega a 200%. Num país onde os cinco maiores grupos de distribuição alimentar concentram quase 75% do mercado, o poder de negociação dos produtores é muito limitado. Num ano de tamanha importância eleitoral como é o de 2024, o descontentamento dos agricultores é terreno fértil para o avanço de propostas políticas populistas. Ouvindo algumas das suas reivindicações relacionadas com as regras ambientais e as relações comerciais internacionais somos tentadas a ver nelas o avanço de uma agenda conservadora. No entanto, evitar que esta luta seja tomada pelas forças que ameaçam as nossas democracias passa por reconhecer as dificuldades das pessoas que trabalham neste setor e exigir aos governos que atuem de forma a melhorar as suas condições de vida.