Crónica desde o Brasil

A Contraofensiva do Brasil na Guerra Híbrida

O Governo brasileiro tenta recuperar o controle da agenda política após os ataques terroristas de 8/1 jogando luz sob os escombros do último governo. A tragédia humanitária do povo originário Yanomami revela outros personagens interessados no ataque à democracia nacional.
O Brasil investigará casos de omisão na contenção da crise humanitária da comunidade yanomami (Foto:  Mct / Zuma Press / Contactophoto).
photo_camera O Brasil investigará casos de omisão na contenção da crise humanitária da comunidade yanomami. (Foto: Mct / Zuma Press / Contactophoto)

Definidas pela exacerbação da incerteza no cenário do conflito, as “guerras híbridas” podem começar como revolta popular sem demandas políticas definidas, que levam a golpes jurídico-parlamentares, seguidos do avanço de agendas econômicas impopulares em contexto de caos. No lado de baixo da “Iberosfera”, tem acontecido assim.

Entre os últimos fatos relevantes após 8/1, confirmou-se a facilitação do assalto dos terroristas às sedes dos três poderes por parte da guarda militar -com decorrente afastamento de 61 responsáveis-. No palácio presidencial, nem podemos dizer que foi uma invasão, já que a porta foi deixada aberta.

O Comandante do Exército Júlio Cesar de Arruda foi destituído. Na noite de 8/1, ele impediu a entrada da polícia no acampamento de Brasília e exigiu, sem sucesso, que os ônibus dos manifestantes fossem liberados. Fosse só isso, talvez permanecesse no cargo, mas insubordinou-se contra outra demanda.

No apagar das luzes, Jair Bolsonaro designou seu ajudante pessoal como comandante do 1º Batalhão de Ações e Comandos, uma unidade de operações estratégicas “contra alvos de alto valor” em “áreas hostis ou sob controle do inimigo”. Mauro Cesar Cid é tenente-coronel e atuava como conselheiro e preposto do ex-presidente. Mas também pagava pessoalmente as contas dele, da esposa e até de alguns terceiros em dinheiro vivo, no banco, com movimentações muito suspeitas.

Foi declarada emergência sanitária e abriu-se um inquérito criminal após a descoberta de crianças em estado de desnutrição profunda

O Comandante Arruda recusou-se a destituí-lo do cargo. O novo Comandante, Tomás Paiva, mostrou-se um luminar da democracia ao expressar seu respeito ao resultado das urnas. Em terra de cegos, é o que tem pra hoje.

Ataque humanitário e ambiental

Sempre na Flórida, Jair Bolsonaro foi promovido de genocida Latu Sensu, devido às mortes resultantes de suas ações e omissões durante a pandemia, para genocida Strictu Sensu, com a revelação da calamidade sanitária dos Yanomami após visita do Presidente Lula à região. 

Trata-se de um povo originário com cerca de 35 mil pessoas vivendo nos dois lados da fronteira entre Brasil e Venezuela. No Brasil, a Terra Indígena Yanomami cobre um território amazônico protegido de 96 mil km².

Na sexta-feira, 20, foi declarada emergência sanitária e abriu-se um inquérito criminal após a descoberta de crianças em estado de desnutrição profunda. Em 2022, foram registrados 11.531 casos de malária e, nos últimos anos, estima-se a ocorrência de 570 mortes de crianças por causas evitáveis.

Não faltaram avisos ao governo federal sobre a situação dos Yanomami. 

Jair Bolsonaro orgulha-se de ter “sangue garimpeiro” e atuou em diversas frentes para legalizar ou facilitar as atividades econômicas nas reservas, desde projetos de lei até o esvaziamento de órgãos de fiscalização e a exoneração de funcionários. O relatório “Yanomami Sob Ataque” publicado em 2022 pelo Instituto Socioambiental (ISA), destaca o aumento do garimpo ilegal de ouro e outros minérios a partir de 2016, dobrando a área atingida entre 2018 e 2021. 

A alta do desemprego e do preço internacional do ouro são causas, a fragilização do controle, meio. Os danos imediatos são a saúde e a vida da floresta e dos povos originários: aumento da violência, das doenças infectocontagiosas e a contaminação de água e terra pelo mercúrio usado no processo de extração. 

A insegurança generalizada instituída pelos garimpeiros armados afetou o atendimento à saúde das comunidades, com a ocupação das pistas de pouso para suas operações e casos de desvio de medicamentos. 

O relatório do ISA informa que um polo de saúde específico contabilizou 11,2 mil atendimentos em 2020 e apenas 2.800 em 2021.

A quem serve o Graal?

Existe um Jair Bolsonaro, cuja “especialidade é matar”, em suas próprias palavras. Ele é apenas o meio. O ouro das terras indígenas é viabilizado por empresas com alta capacidade de investimento. 

Segundo a organização Repórter Brasil, que analisou documentos da Polícia Federal e da Comissão de Valores Mobiliários dos EEUU, o crime que estamos presenciando tem as digitais de grandes refinadoras brasileiras e europeias para benefício de clientes como Apple, Google e Amazon.
É aquela guerra híbrida. Quem são os oponentes? 

Assumo que, desgraçadamente, frequento grupos bolsonaristas no Telegram por uma espécie de imperativo cívico. Neles, tudo é bastante claro: as investigações da justiça comprovam perseguição política totalitária, o afastamento dos militares de áreas chave do Governo denotam a guinada comuno-globalista antipatriótica, e os indígenas fotografados em estado tão severo de desnutrição durante a missão presidencial... são venezuelanos.

*Ivony Lessa é jornalista no Brasil

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