Análise

De okupas, polícias e medos

Borxa Colmenero, investigador do Espaço Clara Corbelhe e advogado, analiza a cuestión da 'okupación' para 'Nós Diario'.
Não importa que o Estado espanhol tenha uma das taxas de criminalidade mais baixas da UE, o discurso punitivo cobra cada vez maior protagonismo na gestão social. (Ilustración: Álex Rozados)
photo_camera Não importa que o Estado espanhol tenha uma das taxas de criminalidade mais baixas da UE, o discurso punitivo cobra cada vez maior protagonismo na gestão social. (Ilustración: Álex Rozados)

Cada certo tempo, saltam ao debate público os supostos problemas de "insegurança" que vivemos na nossa sociedade. São multidão as notícias que nos meios de comunicação escutamos sobre furtos, roubos, pelejas, tráfico de drogas e, por cima de todas, okupações de vivendas que atemorizam a cidadania.

Em datas recentes o Partido Popular, voltando à carga com o tópico, propôs "o despejo imediato dos okupas e penas de até três anos de prisão", apesar de os dados objetivos refutarem por completo a existência de um problema de okupação no estado e, particularmente, na Galiza. O ridículo da campanha popular chegou até o extremo de propor moções, seguindo a consigna estatal, em diferentes concelhos do nosso país que, bem longe de um problema de ocupação, o que vivem é um problema de desocupação ante a situação de despovoamento; foi o caso de uma moção apresentada em outubro em Ginzo de Límia.

A agenda mediática conservadora busca, com esta estratégia, capitalizar um conjunto de mal-estares sociais, bem reais e com grande fundura, através da (in)segurança. Problemas tão díspares como os ocasionados polo lazer juvenil ou a imigração, passando polo desabrigo ou a economia informal, convertem-se, já não em problemas sociais, mas em problemas de segurança e, portanto, problemas de criminalidade. O delito aparece, nesta narrativa, como sendo a condensação de todas as inseguranças vitais. Num contexto de precarização da sociedade, queda de expetativas e incremento das desigualdades, a necessidade de segurança aparece, pois, como um princípio de primeira ordem para a estabilização social.

Não importa que o estado espanhol tenha uma das taxas de criminalidade mais baixas da União Europeia (em 2021 a taxa de criminalidade no estado foi de 41,4 delitos/1000 hab. face à média no contexto europeu de 62,56 delitos/1000 hab.), o discurso punitivo cobra cada vez maior protagonismo na gestão social. Um bom exemplo desta lógica temo-lo também na proliferação de ordenanças municipais de segurança, a sancionar condutas outrora alheias por completo ao controlo securitário, tais como beber ou comer na rua, lavar-se numa fonte pública, a venda ambulante, etc. que hoje conformam o alvo da gestão policial.

Acaba por ser que é à polícia a quem corresponde solucionar os problemas sociais ao serem percebidos como problemas 
de segurança, não a educadores sociais

As condutas descritas, associadas principalmente aos sectores mais precarizados e vulneráveis da sociedade, são securitarizadas. E os efeitos da desigualdade social passam a ser geridos pola polícia em lugar de agências de tipo assistencial. O resultado, então, acaba por ser que é à polícia a quem corresponde solucionar os problemas sociais ao serem percebidos como problemas de segurança, e não a educadores sociais, mediadores, trabalhadores comunitários ou outras figuras análogas.

A centralidade do securitário-policial acarreta ainda outra consequência a destacar: a elasticidade da função policial, que já não se circunscreve ao delito, mas estende a sua função a qualquer conflito de segurança. Assim sendo, tanto podem proceder a uma detenção por um homicídio, quanto ministrar um curso sobre violência de género, uma palestra sobre bullying num liceu ou fazer reuniões com associações vizinhais, pois as expetativas sociais de proteção, sejam quais forem, estão securitarizadas.

Eis o grande repto de darmos a batalha às campanhas políticas e mediáticas dirigidas a criarem alertas na sociedade, nomeadamente, entre aqueles sectores que não encontram amparo num estado cada vez mais fraco assistencialmente, mas que coloca as formas de vida mais vulneráveis como um perigo para a ordem social. Não falamos apenas de dados, índices ou taxas, por grosseiras que estas campanhas sejam.

Falamos, antes, de um modelo de sociedade em que os direitos e liberdades ficam em segundo plano através da normalização de conceções e noções de segurança, desigualdade e conflito em benefício dos sectores mais reacionários. Alicerçado ainda pola expansão de um potente sector mercantil em matéria de segurança com grande interesse num modelo de gestão da sociedade em tempos de crise e precarização, baseado no medo ao pobre, ao migrante ou ao jovem que lhe pode roubar, agredir ou okupar a sua vivenda.

Comentarios