Entrevista a Agustina Bessa-Luís

"O assunto histórico está-se a desenvolver porque houve um pequeno pânico de perdermos a identidade"

Com o motivo da morte de Agustina Bessa-Luís (1922-2019), resgatamos esta entrevista à escritora lusa feita há 30 anos por naquela altura dois doutorandos galegos, Elias J. Torres e Manuel Amor Couto, aparecida na revista Ólisbos, publicação da Faculdade de Filologia da USC que se editou entre 1986 e 1997.

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photo_camera [Imaxe: Cedida] Agustina Bessa-Luís

O pasado mes de febreiro, o departamento de galego-portugués desta Universidade celebrou un ciclo de conferéncias-colóquio baixo o título “Eu e os meus livros os diferentes caminhos os diferentes caminhos da criaçao literária”, no que participaron algunhas das figuras máis representativas da actual narrativa portuguesa: Mário Cláudio, Agustina Bessa-Luis, António Rebordao Navarro, Augusto Avelaira, Almeida Faria e José Saramago.

Aproveitando a ocasión que se nos brindaba, requerimos a alguns deles para facer-lles unha entrevista. A que apresentamos neste número é a mantida con Agustina Bessa-Luis autora de libros como O Mosteiro ou A Sibila (libro de leitura obrigatória en alguns coléxios portugueses)

Para mim é sempre muito agradável vir à Espanha, qualquer das províncias espanholas me diz sempre qualquer coisa...

Supomos que Galiza dirá...

...mais ainda, mais ainda, até porque um dos meus livros preferidos chama-se Adivinhas de Pedro e Inês: Inês de Castro era uma galega e teve no coração dos portugueses – ainda hoje tem - um lugar muito especial; de maneira que todo esse trajecto que fiz da Galiza foi aproximando-me desse tema, Inês de Castro, em que eu procurei descobrir o que havia de verdade atrás da lenda.

E como ve unha muller como a Sra. Galiza desde Portugal, desde o Norte de Portugal?

Para nós, eu acho que sobretudo o Norte de Portugal, tanto na paisagem como na língua não há nenhum obstáculo, não há aquela desconfiança que nós sentimos quando vamos para um país que tem uma língua absolutamente diferente e temos que vencer isso, de maneira que o encontro das pessoas é muito mais lento, muito mais difícil. Quando não há o obstáculo, e isso acontece com o galego em relação ao português, evidemtemente o encontro das pessoas é mais rápido e até mais generoso.

Queríamos perguntar tamén por unha questón que percebemos no mundo dos escritores portugueses actuais depois da Revoluzón dos cravos. Depois dos primeiros momentos pode-se perceber unha volta dos escritores portugueses à história en xeral. Cais son os obxectivos que se perseguen con esa volta ao asunto histórico?

O assunto histórico agora está-se a desenvolver porque houve uma espécie de pequeno recéio, de pequeno pânico (do português em geral, e o escritor traduz sempre a mentalidade do comum) de perdermos a identidade, e então foram procurar à história o que é ser português, o que é todo o caminho do português, e ao mesmo tempo a informar-se sobre a história, até da história comum com a Espanha, porque havia muita coisa que estava desconhecida e de facto o escritor começou a procurar temas, a explicar-se a ele próprio através da história.

Eu fui das primeiras que logo após o 25 de Abril escrevi um romance baseado justamente na conquista de Portugal aos mouros

Eu fui das primeiras que logo após o 25 de Abril escrevi um romance baseado justamente na conquista de Portugal aos mouros e foi uma Crónica do cruzado Osb, que é o diminutivo de Osberno. Foi uma espécie de digressão um bocado fantástica através da revolução e ligada a esse espectro da história. E escrevi também um em que o personagem principal é o Frei Luís de Granada, filho de galegos, que os seus pais vão para Granada como colonos depois da conquista. Para mim é uma figura. Está sepultado em Portugal, muito esquecido tanto em Espanha como Portugal, mas para mim foi uma revolução enorme o papel que ele teve em Portugal.

É agora algo recuperado?

Bem, é difícil recuperar a obra dele, porque é a obra dum místico e até dum homem de ciência, mas duma ciência que foi ultrapassada, uma ciência que hoje já não se encara daquela maneira. Mas a qualidade humana, a delicadeza, para mim a maneira como ele fala da Maria Madalena, por exemplo, toca muito, porque é uma maneira de encarar a mulher apagando nela toda a imagem de pecado; fica unicamente a mulher como um ser, enfim, enobrecido justamente por esse olhar tão terno do homem.

Entón, cais poderian ser os seus obxectivos, resumindo, diante desa recuperazón histórica ou esa busca de identidade?

No meu caso especial, o tema histórico acontece; não quer dizer que seja um objectivo determinado. As vezes é importante. Neste livro que eu estou agora a escrever aparece um tema que não é exactamente histórico, que é um tema que, em 1925, foi muito importante na época, foi um crime que apaixonou a opinião pública. Mas a verdade é que para achegar à solução, quase, desse crime, andei de cem anos para tras; de maneira que aí vem o tema histórico: as guerras liberais, toda a atmosfera criada pela transformação, uma aproximação a grandes figuras do socialismo que passam por aí, do socialismo francés; por exemplo, duma mulher extraordinária que foi Flora Tristan, avó de Gauguin, que foi a primeira mulher socialista en França, e que era fabulosa. Justamente ela influencia certo tipo de intelectuais da Beira e aí há um levantamento de figuras da época que estão também ignoradas e que ficaram perfeitamente soterradas através dos acontecimentos e de assuntos que ultrapassaram injustamente essas figuras. Para mim foi um grande prazer reconhecê-los, descobri-los: é quase como uma investigação policial.

Eu não gostaria de ser unicamente uma ensaísta

Unha cousa que chama a tenzón nas suas obras é que non está mui marcada, ou non aparece mui marcada, se temos en conta outros romancistas, a diferenza existente entre, digamos, o que é propiamente romanesco e o que é histórico, o que é, psicolóxico, o que é ensaístico. Gostaríamos de que falase un pouco disto, porque é unha cousa que chama profundamente a atenzón.

Haver essa mescla de todas essas condições que no final se resolvem no romance, porque o romance permite tudo. Eu não gostaria de ser unicamente uma ensaísta (e isso não diminui evidentemente nada a qualidade do grande ensaísta nen do grande historiador, que têm o seu lugar); mas isso obriga-me a uma disciplina que ao mesmo tempo pode prejudicar aquilo que nós podemos dizer; enfim, que as vezes não sendo condicionada por um título ou uma forma de conduzir um texto, de repente pode surgir qualquer coisa que é novidade, porque não há academicismo no percurso que se faz.

O romancista pode fazer isso: de repente pode descobrir qualquer coisa, e acontece: aconteceu com Kafka, por exemplo, porque eu reagia contra toda essa forma de academicismo, e de repente há uma descoberta dum caminho. Eu acho que justamente porque o pode fazer.

Outra cousa era tamén a importáncia -eu digo-o como leitor- que ten nas obras que eu lin da Sra. que ten sobre todo o protagonista, a psicoloxia tan ben lograda do protagonista; por exemplo da protagonista de A Sibila ou do protagonista de Um bicho da terra son sempre psicoloxias mui ben descritas, como se todo no romance xirase, digamos, arredor desa figura.

Sim; a mim interessa-me sobretudo a lógica duma situação, e a lógica duma pessoa. E parte-se dum acontecimento, dum facto, e depois tem que se descobrir por que é que aquilo aconteceu, e porque aconteceu com determinada personagem, e como é que ela reagiu, e depois de tudo aquilo é uma espécie de desfolhar duma espécie de planta devoradora que é o ser humano. E vai-se encontrar, mas tem que tudo estar muito ligado, tem que haver uma lógica porque se não também o próprio leitor não aceita: se é simplesmente uma fantasia desordenada também não há possibilidade; tem que se encontrar: é quase que um processo também científico, visto doutra maneira, com menos responsabilidade -enfim, não se está a descobrir um elixir da longa vida-, mas tem que ver também um pouco com isso.

A Sra. antes mencionaba a Kafka. Gostaríanos de saber quem se considera herdeira Agustina Bessa-Luís na literatura portuguesa e noutras literaturas contemporáneas.

Na literatura portuguesa não sei... Muito de Bernardim Ribeiro. Lembro-me dum dos mais importantes críticos da época que era o Gaspar Simões -já morreu-. Ele imediatamente, desde o primeiro livro me aparentou com o Bernardim Ribeiro. Para mim foi uma grande honra porque eu admiro-o. Ele tem uma obra mínima que é Menina e moça e é uma obra muito desconhecida. E tem graça: quando eu comecei a escrever havia uma cadeia de leitores desconhecidos entre si, mas que trocavam livros, como há também essas cadeias de orações que se não mandar acontece qualquer coisa de mau...! e mandaram-me esse livro sem saber quem era eu nem nada, como uma oferta e eu teria que corresponder, mandar a mais outros leitores. Nessa altura li o Menina e moça. Eu, portanto, teria dezasseis -dezassete anos e a mim tocou-me extraordinariamente. O caminho dele foi realmente pela Galiza; ele vinha de Espanha para Portugal. E há nele isto que talvez se não é erro meu por aventurarme por estas definições, mas há nele um é o prelúdio duma busca, duma busca de definir as cosas, o que evidentemente dá uma qualidade poética extraordinária à prosa dele. Eu acho que ele define muito o que é a natureza do português: esse estado de interrogação, estado de expectativa que é muito muito do temperamento português.

E nos escritores contemporáneos seus doutras literaturas europeias?

Acostumam-me, por exemplo, associar à Yourcenar, e eu acho que não terei muito que ver com ela. Eu acho que sou muito menos aplicada a um tema construtivo: há em mim uma euforia, um estado de romanticismo, uma relação às coisas... que não há nela.

Eu conhecia-a em Portugal. Era uma grande mulher das letras e eu própria fiz um prefácio ao Golpe da misericórdia, que é um livro de que eu gosto imenso. Ela joga também muito com a ambiguidade das sensibilidades das situações, e talvez por isso me aparentem. Mas eu sou profundamente diferente da Yourcenar; até quando a conheci senti isso: ela era voltada para dentro e eu exteriorizo muito mais, sou profundamente comunicativa. Para mim não há nada que me seja estranho desde que evidentemente viva ou esteja dentro duma cultura com uma certa afinidade e uma civilização.

Mas Yourcenar, ela fez uma vida muito retirada. Eu assistia a isso ao fazer-lhe determinadas perguntas naquilo que nós podemos chamar o “calão” duma época: a uma certa altura, quem não está dia a dia em contacto com essa linguagem que se vai mudando, que vai tirando significados diferentes, não sabe do que se está a tratar, e então responde à letra, e a resposta não é aquela. Isso aconteceu com ela: via-se que ela vivia muito retirada do mundo das palavras pelo menos, não digo do mundo dos pensamentos; isso foi o que me pareceu. Mas, evidentemente, que se me comparam à Yourcenar, só pode ser um elógio para mim.

Eu acho que uma mulher escreve como uma mulher e sobretudo pensa como mulher e um homem escreve como um homem e pensa como um homem

E tamén unha outra pergunta asociada a isto: às veces fala-se de unha espécie de sensibilidade especial das mulleres à hora de escrever. Eu queria-lle perguntar se, realmente, a Sra. se sente condicionada ou comprometida polo feito de ser muller à hora de escrever, ou se isto se noa na sua escritura.

Bem, evidentemente eu acho que uma mulher escreve como uma mulher e sobretudo pensa como mulher e um homem escreve como um homem e pensa como um homem.

Eu faço parte actualmente duma coisa que se chama Conselho de Imprensa, que funciona ligada à Assembleia da República. São dezasseis membros, quase todos homens, e analisam todas as queixas que se relacionam com os jornais, com a liberdade de expressão, com a privacidade, etc.

A mim interessa-me muito saber como é que o homem pensa, como é que o homem reage, como é que o homem aplica a justiça. A mulher tem muito menos experiência da justiça, vive muito mais condicionada até à pequena inveja de grupos, de pequenas situações... e é uma aprendizagem que a mulher tem que fazer, e digo isto com toda a modéstia, como mulher que sou, porque a mulher não a teve, foi o homem que a exerceu e que a pensou, e isto é o que dá realmente uma visão do mundo muito mais vasta. E é isso que eu acho que eu, como mulher, procuro.

Xa, para acabar, só unha última pergunta: cal deve ser, do seu ponto de vista, a funzón do escritor hoxe en Portugal, en concreto.

Bem, a função de hoje e de sempre foi mais ou menos a mesma. Ele representa a sensibilidade de toda uma sociedade; se há mudanças que a sociedade tem que encarar e que deseja, o escritor é uma espécie de guarda avançada nesse caminho: ele tem linguagem e usa-a nesse sentido, nem que muitas vezes apareça obscuro, a pareça às vezes uma linguagem profética, ou messiânica, uma linguagem que não é perfeitamente entendida, ou que não é imediatamente incluída na linguagem comum. Mas ele é um verdadeiro escritor, ele é entendido na sua mensagem (a palavra mensagem, que de tal maneira é gasta! Mas não há outra, é essa), de maneira que ficamos por aqui.

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