Sonaurigas de coraçom ladrador

Em vao o bom leitor procurará nos maiores dicionários da nossa língua, como o galego Estraviz ou o brasileiro Houaiss, o vocábulo sonauriga do título, porque se trata (como sonaurígia) de um neologismo aqui cunhado polo articulista, à imitaçom do latinismo sonámbulo (e sonambulismo), para denotar umha rara e mágica qualidade que a espanhola Dirección General de Tráfico atribui aos condutores que falamos galego: sermos capazes de guiar um carro, carrinha, autocarro ou camiom enquanto dormimos. Com efeito, a 1 de abril de 2023, no início das férias da Páscoa, nos painéis eletrónicos situados nas autovias galegas, o referido organismo —que, apesar do seu nome, nom tem por objeto perseguir qualquer comércio ilegal (gal-port. tráfico [de drogas/escravos...]), antes regular o tránsito rodoviário— proclamava, em mensagem bilingue: cast. «No te duermas al volante» / gal. «Non durmas ao volante» (!). Quer dizer, aos recetores de tal exortaçom em castelhano, a DGT prevenia-os contra o risco de caírem dormidos, com o sono, enquanto conduziam (a forma verbal cast. dormirse, com pronome, tem valor incoativo e apresenta a açom de dormir no seu início), mas, aos destinatários galaicófonos da mensagem, o organismo espanhol, prestando atençom ao nosso particularismo biológico, exortava-nos a nom botarmos umha soneca ou, mesmo, a nom dormirmos a sono solto enquanto governamos, com habilidade ligeiramente imperfeita, o automóvel..., um suposto que, por sinal, caso se verificasse, representaria umha categoria extrema de sono, e sonho, lúcido! Por outro lado, na Rádio Galega, às 7h55 (hora colonial espanhola) do 22.3.2023, no programa Galicia [sic] por Diante, um espaço cada vez mais recheado polo castelhano, a locutora anuncia que o Salvador Sobral vai oferecer na Crunha um recital com as cançons mais recentes, como a intitulada bpm, um fragmento da qual iria soar a seguir. E a locutora acrescenta: «bpm significa em português ‘batimentos por minuto’, o que equivale em galego a ‘latidos por minuto’» (!). Como é possível? Porventura o coraçom dos galaicófonos, em vez de bater, pulsar ou latejar em sístoles e diástoles vivificadoras, ladra e ladra e ladra, como cam que nom morde mas abouja? Latir é sinónimo de ladrar Na realidade, no galego comum genuíno, como em luso-brasileiro, latir é sinónimo de ladrar, e latido refere-se unicamente à voz do cam, ao ladrido, enquanto que a açom e o efeito de o coraçom bater, pulsar ou latejar devem designar-se por pulsaçom, latej(ament)o ou, na expressom de freqüência cardíaca da linguagem médica, em natural acordo com o luso-brasileiro, batimento (bpm). Que conclusons cabe tirarmos destas chocantes epifanias denotativas? A principal aponta, é claro, para a farsa lingüística do vigente regime político-institucional espanhol e as suas falácias constitutivas: é mentira que a galega seja umha sociedade bilingue, em que o galego, à altura do castelhano, funciona como língua de cultura, pois o sistema político nom permite umha verdadeira regeneraçom formal e funcional da língua autóctone da Galiza; é mentira que os galegos, ao longo da sua escolarizaçom e ulterior formaçom cultural e profissional, consigam adquirir umha competência em galego equivalente àquela que adquirem em castelhano, com eficácia comunicativa e genuinidade expressiva homologáveis. Lembremos, a esse respeito, um dado estarrecedor que já temos aduzido: no ano letivo 2013/14, numha turma de 36 alunos da graduaçom em Traduçom da UVigo, apenas 7 alunos respondêrom corretamente cobra ao enunciado «Menciona um sinónimo comum da palavra galega serpe(nte)». Duas conclusons Para o Estado, o galego é um idioma 'traduzido' do castelhano Mais duas conclusons. Para o Estado, o galego é um idioma traduzido —de facto, mal traduzido e decalcado— do castelhano, subalternidade funcional e formal associada à palavra de ordem "em caso de dúvida ou contradiçom, prevalece o texto original". Além disso, vingou na sociedade a ideia, promovida polo poder político, mas falsa até aos fios do cabelo, de o galego e o português serem línguas diferentes, o que acarreta para o galego umha despossessom de materiais e de recursos que o deixa na indigência. Assim, se os funcionários da DGT responsáveis polos painéis das autovias, reconhecendo a evidente unidade lingüística galego-portuguesa, tivessem recorrido à funçom tradutora entre castelhano e português do melhor programa de traduçom automática disponível na internet, o DeepL, teriam obtido, para o cast. «No te duermas al volante», a equivalência «Não adormeça(s) ao volante», perfeitamente idiomática em galego e acorde com a verídica fisiologia dos galaicófonos.