A normalizaçom, a normativizaçom e o tigre

Terá reparado o amável leitor em que, na peça de junho, deixamos patente um princípio de política lingüística que, apesar do seu caráter lógico, com frequência tem sido entre nós ingénua ou miopicamente desconsiderado, às vezes como consolaçom perante umha situaçom de impotência, outras como pretexto para desativar, sobretodo no campo político galeguista, um elemento radical que alegadamente dificultaria a comunicaçom com o povo alienado, e sempre com nefastas consequências para o nosso idioma. Se normalizar umha língua (autóctone e menorizada), no nosso caso o galego, implica, necessariamente, socializá-la, promover e estender o seu uso no seio da sociedade, até nesta torná-la veículo geral e hegemónico de comunicaçom (o estado de normalidade), em detrimento de outra língua concorrente (alóctone e menorizadora, como, no nosso caso, o castelhano), para tal, revela-se indispensável que a língua subalterna objeto de promoçom social seja dotada, de início e sem demora, mediante umha normativizaçom (ou codificaçom ou padronizaçom) adequada, de umha ortografia, de um modelo gramatical (morfossintaxe, fonologia) e de um modelo lexical que se revelem genuínos, coerentes, estáveis e funcionais, e na mesma medida, ou superior, em que aqueles o som na língua menorizadora. Além disso, ficaria fora de toda a racionalidade (ou honestidade) que essa normativizaçom capacitante, podendo enveredar por umha via que multiplicasse a eficácia comunicativa e o prestígio social (capacidade de seduçom) do idioma subalterno, o nom figesse, e tanto mais quando o idioma menorizador apresentasse enorme potência comunicativa. 'Normativizar' A desconsideraçom deste princípio lógico e elementar da política lingüística, o de normativizar bem para poder normalizar, tem-se manifestado entre nós freqüentemente sob a forma do ingénuo ditado "primeiro, normalizar; depois, já pensaremos na norma(tivizaçom)", que tem passivamente acompanhado, já durante 40 anos, como consolo ou pretexto, o desdobramento dos funestos efeitos da codificaçom oficialista do galego. Esta, levada a cabo por um organismo, o ILG, estabelecido polo franquismo e que, com visom etnográfica, tem encarado o galego, basicamente, como um conjunto de falares dialetais, nom foi concebida para emancipar o nosso idioma a respeito do castelhano, de modo que a ortografia e os modelos gramatical e lexical impostos polo oficialismo ao galego enfermam de graves eivas polo que di respeito, sobretodo, à idiomaticidade e funcionalidade. O nosso artigo anterior aduzia, como exemplo de tais deficiências, a codificaçom oficialista de tirar e de lámpada, a qual aberrantemente combina um sentido genuíno ou convergente com o luso-brasileiro com um sentido castelhanizante, de forma a suscitar usos espúrios, ambíguos e disfuncionais, e o registo de casos de insuficiência lexical poderia prolongar-se ad nauseam (v. O Escándalo do Léxico Galego), a patentear a indigência expressiva do galego oficialista, em gritante contraste com a enorme eficácia comunicativa do concorrente castelhano. A ilusom de umha normalizaçom do galego sem a adequada normativi-zaçom está a esvair-se Para máxima desgraça, o desprezo dos codificadores oficialistas pola natural coordenaçom do galego com as suas covariedades lusitano e brasileiro, além de prejudicar muito a regeneraçom do nosso idioma, brutalmente lhe furta imensas possibilidades de potenciaçom comunicativa e de prestigiamento, de vital importáncia. Assim, padronizado polo ILG como idioma regional menor, segregado do luso-brasileiro e formalmente subordinado ao castelhano, como código subfuncional destituído dos recursos próprios de umha moderna língua de cultura, o galego carece hoje de prestígio social efetivo, o que tem dado azo à sua inane promoçom pública, a inequívocos sinais de desapego popular e à sua exclusom, em larga medida, da comunicaçom e da atividade social, de modo que, nos últimos quarenta anos, a língua autóctone da Galiza se tem tornado minoritária na nossa sociedade e marginal entre crianças e jovens, que já mal a sabem utilizar. Portanto, a ilusom de umha normalizaçom do galego sem a adequada normativizaçom está a esvair-se. Nessa linha, há uns anos propugemos um símile que nos parece nom ter perdido poder esclarecedor: o castelhano é um tigre que ataca o galego, que o dilacera e mutila, e que já ameaça a sua vida. Ao nosso alcance tínhamos, temos, umha vara de vime, ou seja, a codificaçom RAG=ILG, galego-castelhana, e umha lança robusta e bem aguçada, a codificaçom reintegracionista, galego-portuguesa. Qual das duas devemos brandir para defender o galego das acometidas do tigre? A lança nom é umha metralhadora, nom nos garante o sucesso defensivo, mas brandirmos o vime nom é cegueira, loucura suicida, traiçom?