Hino Galego: restauraçom e regeneraçom

No passado 26 de setembro, no quadro da defesa de umha ILP, o Prof. Manuel Ferreiro, com grande dignidade e clareza, advogou perante os membros do Parlamento Galego a necessidade de restaurarmos a letra do Hino da Galiza na sua versom oficial, conforme a composiçom original genuína de Eduardo Pondal e a expressa vontade deste de se expurgarem as gralhas impingidas ao texto por maos alheias. No entanto, com o sectarismo, insensibilidade cívica e desprezo pola verdade que corresponde ao caso, os grupos políticos do PP e do PSOE rejeitárom a iniciativa, porventura por ela nom ter sido gestada sob o controlo do complexo espanholista-regionalista. Os grupos políticos do PP e do PSOE rejeitárom a iniciativa, testemunho evidente do atraso cívico e cultural do nosso país Constitui esta recusa testemunho evidente do atraso cívico e cultural do nosso país, pois as emendas que, como fruto da sua valiosa investigaçom da obra pondalina, o Prof. Ferreiro reclama introduzir na letra oficial do Hino nom só representam a restituiçom das verídicas opçons autorais, como também, em vários casos, a de soluçons que dotam de sentido os passos correspondentes –[arume] harpado ‘que produz som de harpa’, e nom *arpado; férridos ‘da natureza do ferro’, e nom *féridos; rouco [son], e nom *ronco–, ou que lhes emprestam coerência e elegáncia –[valeroso] clan, e nom *chan–, ou, mesmo, que nos poupam a crassos vulgarismos (ignorantes, e nom *iñorantes). Esperemos, portanto, que as últimas notícias recebidas, no sentido de os grupos parlamentares terem estabelecido umha comissom para restaurar o Hino, se confirmem e que se chegue a bom resultado. Ora bem, com umha cultura galega menos problematizada do que a atual, e, portanto, com um maior apreço social pola língua autóctone, estamos convictos de que o referido restauro, com ser indispensável, apenas representaria o primeiro passo na formalizaçom do nosso Hino. Parece-nos claro que, nessas circunstáncias, a fixaçom da letra hínica ultrapassaria a mera reposiçom das genuínas soluçons originais de Pondal, e que, superando um fetichismo da literalidade autoral, tal codificaçom incluiria, além de umha adaptaçom do texto ao(s) padrom(ns) ortográfico(s) e morfológico(s) vigente(s) (e agora temos três!), também a modificaçom daquelas soluçons originais que, determinadas pola precariedade filológica da época, à luz dos conhecimentos lingüísticos hodiernos se revelassem inadequadas. A este respeito, tenhamos em conta que nom estamos a falar do restabelecimento da composiçom pondalina "Os Pinos", mas da fixaçom do Hino Nacional da Galiza. Regeneraçom lingüística Nesta linha, no apêndice do nosso livro O Escándalo do Léxico Galego (2022), com a lealdade devida, propomos umha versom regenerada do Hino da Galiza que, além dos restauros e regularizaçons apontados, incorpora um pequeno número de emendas lexicais substantivas, indispensáveis para se evitarem no texto hínico elementos castelhanizantes, vulgarizantes e, ainda, cacofónicos, intervençons regeneradoras, estas, que, para conhecimento do público, a seguir resenhamos. Os originais [rayo] *trasparente, vulgarismo, e *prácido [luar], formaçom pseudopatrimonial, som substituídos polos cultismos, respet., transparente e plácido; *valeroso [clan], arcaísmo castelhanizante, por valoroso; em rudo encono, *rudo, sob a congenial perspetiva luso-brasileira, é arcaísmo castelhanizante, ao passo que *encono ‘sanha’, além de castelhanismo, se revela estridentemente cacofónico: propomos, entom, rude tono, em que tono é cultismo com os significados ‘tom de voz’ e ‘atitude, disposiçom’, cf. tono muscular (se, porém, aqui for julgada indispensável a conservaçom da quantidade silábica do verso, poderia recorrer-se à soluçom entono ‘vaidade’, sugerida polo Prof. Jorge Rodrigues, e que deveria ser precedida por rudo, para se evitar a sinalefa); o "minha casinha, meu lar" rosaliano assinala o cánon: *fogar [de Breogán] é uso castelhanizante, polo que se propom substituí-lo por oh lar; *imbéciles, forma castelhanizante, é emendada pola consentánea estólidos; enfim, o, na sua interpretaçom coerente (glossada pola Profa. García Negro), castelhanizante *escuros ‘nom esclarecidos’ é substituído por obscuros. Para avançarmos esta proposta, podemos apoiar-nos, é claro, num desígnio de regeneraçom lingüística e de nobilitaçom hínica, mas também no (proto-)reintegracionismo de Pondal, que escreveu: "os bons filhos do Luso, / e os fortes irmaos, / num só nó, fortemente, / os dous constringirás; / tal é a semelhança sonorosa / do garrido falar! [...] / Nobre e harmoniosa fala de Breogám! / Tu, sinal misterioso dos teus filhos serás! / Serás épica tuba, e forte sem rival, / que chamarás os filhos que além do Minho estám, / os bons filhos de Luso, apartados irmaos / de nós, por um destino invejoso e fatal; / com robustos acentos, grandes, os chamarás; / verbo do gram Camões, fala de Breogám!".