ENTREVISTA

Eileen Almeida Barbosa: coser a realidade com fios de ficção

“Canto. Cantei. Cantarei. E no meio, escrevo. No entrementes, laboro. No entretanto, absorvo. E ao longo disso tudo, interesso-me, abraço, assobio, leio, estudo, opino, namoro, regresso”. Entrevistamos Eileen Almeida Barbosa.

Eileen Barbosa
photo_camera Eileen Barbosa

É esta a sua autobiografia, a sua auto-poética?

É a minha apresentação efabulada. Porque apesar de cantar a toda a hora, não tenho talento nenhum. Mas é de música que mais gosto nesta vida.

E o resto?

O resto vem depois. O resto é verdade.

Você administra desde 2006 um blog de “literatura fresca e ideias rascas” Como consegue compatibilizar essa contradição? Ou não é?

As coisas que publico no blog são muitas vezes escritas no dia. Não são alvo de muita reflexão. E quando acabámos de escrever alguma coisa, ela parece ser a melhor de sempre. Só com tempo e distanciamento podemos ver que afinal, não estava tão bom assim. Mas a dinâmica do blog exige essa frescura, daí as coisas poderem sair rascas.

Cabo Verde foi muito pobre, houve muitas fomes, muitas emigrações, muitas até forçadas

Define-se como escritora “urbana e moderna” fronte à escrita cabo-verdiana tradicional que fala “muito da seca, do campo, da emigração” Como é que devemos interpretar isso?

Essa definição tem quase dez anos mas continua atual – deve ser interpretada como um sinal positivo, de desenvolvimento e evolução do país. Cabo Verde foi muito pobre, houve muitas fomes, muitas emigrações, muitas até forçadas. Mas com o desenvolvimento que tivemos, com investimentos feitos e com ajudas internacionais, a nossa maior preocupação já não é a seca!

Então já não faz diferença que chova?!

É claro que faz. Continua a fazer toda a diferença que chova; mas já não morremos à fome se não chover. Já não sentimos que temos que emigrar ou morremos à fome. O desenvolvimento tradicionalmente leva as pessoas do campo para a cidade, cria mais oportunidades para ficarmos no país, se quisermos.

E quais os seus temas preferidos à hora de escrever?

Interesso-me por momentos específicos vividos por pessoas. Por situações estranhas, pelas pequenas caraterísticas que tornam as pessoas únicas. Depois de todos estes anos, vi que tenho temas relativamente constantes, como o amor, a perda, as separações e as relações íntimas entre as pessoas e a morte.

Escrevo de forma quase intuitiva, não sem pensar no tema, apenas deixando a estória vazar

E com esses ingredientes cozinha a estória

Sim, mas pode-me acontecer duas situações: ou escrevo de forma quase intuitiva, não sem pensar no tema, apenas deixando a estória vazar, por assim dizer…

Ou?

- Ou, se for uma história mais comprida, então ponho-me de fato a fazer corte e costura, que é como chamo à arte de ir buscar outras coisas que já tinha escrito antes, liga-las à estória atual, criar coincidências, criar uma trama.

A Eileen trabalha como Conselheira Económica do Primeiro Ministro de Cabo Verde. Na recente história do país não é infrequente as escritoras, os escritores, exercerem postos de responsabilidade política. Perguntamos,

Por acaso a transformação social tem algo a ver com a literatura?

Tem. A literatura foi, em muitos cantos do globo, veículo de difusão de valores, de ideais, de influência. Em Cabo Verde, houve o Movimento Claridoso (1936), por exemplo, que se entende ter sido a base da transformação social, cultural e política do país. Foi concretizado numa revista, que apesar de só ter tido 9 números, teve um enorme impacto junto às nossas gentes.

E no seu caso?

Eu comecei a escrever muito antes de assumir qualquer profissão e acredito que o mesmo se passe com os outros escritores. Não é apenas em Cabo Verde que os escritores assumem toda a espécie de cargos de responsabilidade ou têm profissões mais técnicas. Pode-se é ver o que há de comum entre os escritores – geralmente são pessoas que leem muito e com a leitura, vem a cultura geral, vem a reflexão, a capacidade de comunicação. E estas características são pertinentes no exercício das funções de responsabilidade, sejam políticas ou não.

Num texto seu, precisamente derivado da sua ocupação como Conselheira, apresentado ao II Fórum Nacional de Transformação - Cabo Verde 2030 titulado Que Cabo Verde em 2030 Eileen faz planificação económica através da ficção literária ao nos mostrar um pais feliz, quase um paraíso: “ O país vira tanto desenvolvimento nas últimas décadas que parecia maior, como se as suas ilhas tivessem crescido”.

E centra o futuro de Cabo Verde em três aspetos: desenvolvimento do sistema educativo, das artes e da consciência meio-ambiental.

São hoje esses os principais problemas de Cabo Verde?

Os principais problemas de Cabo Verde são o desemprego e o financiamento das atividades económicas. São problemas estruturais, pois o país é pequeno e não tem recursos naturais tradicionais.

E a consciência meio-ambiental?

A consciência ambiental é o garante da sustentabilidade de qualquer dessas atividades económicas a que as pessoas se dediquem. Sem consciência ambiental, esgotaremos os poucos recursos naturais que temos e teremos o nosso futuro seriamente comprometido.

A educação é essencial pois permitirá às pessoas terem ferramentas para saírem da pobreza

A educação?

A educação é essencial pois permitirá às pessoas terem ferramentas para saírem da pobreza. Uma pessoa educada tem melhores oportunidades de conseguir e manter um emprego ou de criar o seu próprio emprego; quando falo de recursos, refiro os tradicionais, pois possuímos vários outros recursos e as artes são parte importante.

É Cabo Verde um País de artistas?

A proporção de artistas que estas ilhas produzem é relevante e capaz de gerar desenvolvimento através da produção artística e cultural.

Muitas vezes penso em Português e simplesmente, o meu cérebro parece estar condicionado a criar nessa língua

Você escreve sempre em português e não faz uso do crioulo. Tem isso algo a ver com a perceção do futuro Cabo Verde?

Não. Tem a ver com a língua em que aprendi a escrever. Muitas vezes penso em Português e simplesmente, o meu cérebro parece estar condicionado a criar nessa língua. Mas também tenho, em menor quantidade, poemas escritos em Inglês e Francês; tenho uma letra de música em Espanhol e pequenos desabafos e poemas em língua cabo-verdiana.

No aspeto linguístico, como vê o futuro de Cabo Verde

O futuro de Cabo Verde será mais do que bilingue. Adotaremos novas línguas, por uma questão de globalização, mas não perderemos o nosso crioulo. Eu não quero que o percamos.

Poderia recomendar para os leitores de Sermos Galiza três autores ou autoras e três obras indicando a razão da sua recomendação.

Teixeira de Sousa é o meu escritor cabo-verdiano preferido. Gosto imenso de quatro dos seus livros mas, para estrangeiros, eu recomendaria os contos, chamados de Contra Mar e Vento (1972). São pequenas ficções que ilustram o quotidiano de então, escritos de forma magistral e com muito sentimento.

Germano Almeida escreveu muitos livros deliciosos mas o meu preferido é capaz de ser, ainda, A Ilha Fantástica. É um livro de histórias mirabolantes que se passam na ilha da Boa Vista da sua infância. É muito divertido e uma janela aberta para a realidade de uma ilha que estava na maior parte do tempo isolada do resto do mundo.

Mornas Eram as Noites, de Dina Salústio, é mais um delicioso livro de contos, que conheci na adolescência.

Na Galiza existe uma importante comunidade de cabo-verdianos e mesmo a cabo-verdianidade se faz notar em manifestações como as do grupo Batuko Tabanka. Quer escrever algo para seus compatriotas da Galiza?

-Quero, antes de mais, enviar-lhes um abraço apertado, cheio de morabeza. Gostaria muito que nunca se esquecessem da sua terra, Cabo Verde, e, ao mesmo tempo, que façam de tudo para serem bons cidadãos da Galiza e bons embaixadores de Cabo Verde, da nossa cultura, onde quer que vão.

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