Entrevista

Ana Moura, fadista: "Quando estou na Galiza sinto como se fosse o mesmo país"

Ana Moura, nascida em Santarém, é considerada a fadista mais bem-sucedida a iniciar carreira no século XXI. A artista já vendeu mais de um milhão de discos no mundo todo, sendo uma das recordistas de vendas de discos em Portugal. Moura chega a Vigo este 24 de fevereiro para apresentar o seu último disco, 'Casa Guilhermina'.
'Casa Guilhermina' é o sétimo disco da fadista de Santarém, Ana Moura (Foto: Gonçalo Afonso).
photo_camera 'Casa Guilhermina' é o sétimo disco da fadista de Santarém, Ana Moura. (Foto: Gonçalo Afonso)

Vigo será o cenário esta sexta-feira de um concerto verdadeiramente especial. Uma das fadistas mais importantes da história do género que partilhou palco com artistas como Prince e os Rolling Stones, a santarense Ana Moura, traz a sua música à cidade do rio Lagares. Nós Diario conversou com ela para conhecer em primeira mão a opinião da artista sobre o seu último trabalho, Casa Guilhermina, e o que espera do futuro.

—Você publicou em novembro de 2022 o seu último trabalho, 'Casa Guilhermina'. Pode dizer-se que este disco mostra uma nova Ana Moura ao ter em conta a liberação e a auto-descoberta que pratica nele?
Sinto que aquilo que estou a trazer neste disco sempre fez parte de mim, portanto não sinto que seja uma nova Ana Moura embora compreenda que as pessoas sintam que se trata de uma nova Ana Moura. 

Para mim este disco é uma continuidade de um caminho que se faz con diferentes ciclos e este é, de facto, un novo ciclo que se abre.

—Acerca do própio género do fado. Como é que se consegue que a tradição e a modernidade se juntem neste trabalho e possam combinar dessa maneira?
Acho que nós sempre estamos em comunicação com a música que nos precedeu e que foi feita em todo o mundo. A música mais recente e que se faz na actualidade está sempre em comunicação com o passado e acho que foi isso que eu fiz.

Digamos que, de algum jeito, eu juntei o fado com a música que eu oiço e que faz parte do meu universo musical. Este trabalho responde de uma forma natural àquilo que faz parte tambén do que eu sou e do que eu oiço habitualmente.

O disco tem sido muito bem recebido

—Acha que a sociedade portuguesa aceita esse tipo de mudanças?
Umas pessoas aceitarão, outras não, mas isso faz parte. Agora,  posso dizer que o disco tem sido muito bem recebido, incrivelmente bem recebido aliás. Ficou imensas semanas no número um em Portugal, portanto o balanço que eu faço é bastante positivo.

Embora perceba que haja pessoas que não o sintam assim, mas, como disse, isso faz parte de qualquer mudança que se faça, são os riscos que as pessoas tomam com certas decissões. Contudo, o balanço é verdadeiramente positivo.

—A senhora reinventou o fado com mesturas de estilos e influências musicais de diferentes lugares. Você tem raízes tambén em África. Existe, portanto, algum tipo de ligação com a música africana no disco?
Sim, a minha mãe é angolana. Para este dsico eu trabalhei com dois produtores, um mais ligado à música tradicional portuguesa e outro mais ligado à música tradicional angolana. 

Sem dúvida, no disco eu trago estas influências todas que me compõem, ou seja, minha mãe é angolana e meu pai foi para Angola quando tinha 11 anos. Na altura da revolução eles vêm para Portugal e a minha mãe era professora e percorreu todo o país a dar aulas.

Por isso eu no disco junto ritmos minhotos como tambén ritmos do fandango porque eu nasci no rio Tejo. Como é evidente tamén junto ritmos de Angola no disco. Portanto este trabalho reflecte todas as influências que fizeram parte da minha vida.

—Conseguiu mostrar em 'Casa Guilhermina' que o fado também se pode dançar. Acha que estamos finalmente a libertar o fado do preconceito?
O fado no século XIX era dançado, e isso foi algo que se foi perdendo ao longo do tempo mas sim, realmente quando faço espectáculos com este novo disco tenho uma sensação que eu nunca tinha tido a este respeito.

Eu nunca tinha tido a experiência de ter pessoas a dançar com a minha música e é uma sensação incrível mesmo.

Acho que é o artista que realmente deve e sabe o que é que tem para partilhar com as pessoas

—Quais são as suas referências musicais?
As minhas referências musicais são muito abrangentes, vão desde fadistas portuguesas como a Amália Rodrigues ou o Carlos do Carmo, mas depois eu também oiço muita coisa de muitos géneros diferentes como C. Tangana por exemplo, também música pop, soul, música brasileira...

—Acontece muitas vezes na indústria da música que os 'managers' influenciam o produto final da artista. Acha que é preciso a artista afastar-se disso e simplesmente tentar fazer a sua arte?
Na minha opinião, é verdade que os managers tendem a fazer isso, tendem a tentar influenciar. Mas eu acho que é o artista que realmente deve e sabe o que é que tem para partilhar com as pessoas.

A influência dos managers deve vir na minha opinião doutros pontos de vista, nunca do que o artista tem no interior.

—A senhora vai estar em Vigo o 24 de fevereiro para um concerto. O que se pode esperar deste espectáculo?
Essencialmente as músicas da Casa Guilermina que é o que estou a apresentar em todos os lugares em que dou concertos.

—A senhora já esteve na Galiza. Há alguma coisa em especial de que se lembre deste país?
Realmente uma das primeiras coisas que me saltam à vista quando chego à Galiza é o apreço que os galegos têm pelos portugueses. Nós temos um respeito muito carinhoso pelos galegos e realmente eu sinto como se fosse o mesmo país.

Ter partilhado o palco com o Prince e com os Rolling Stones foi um momento muito especial para mim

—A ligação da Galiza com Portugal vai além da cultura e até da língua, também se pode constatar uma ligação musical. A senhora está familiarizada com a música galega?
Não há dúvida que essa relação existe. Particularmente conheço o trabalho da Uxia por exemplo.

—Há algum concerto que lembre com especial carinho?
Há vários concertos que eu guardo com muito carinho por diversas razões. Recordo recentemente quando fiz o lançamento de Casa Guilhermina em Lisboa. Foi mesmo na rua, montámos um palco e de repente juntaram-se muitas pessoas. Foi uma sensação incrível ver lá tanta gente no lançamento de um trabalho que eu não sabia bem como as pessoas iam receber. Foi muito especial por isso.

Também obviamente ter partilhado o palco com o Prince e com os Rolling Stones foi um momento muito especial para mim. Ter viajado pelo mundo e actuar perante público mexicano que é muito 'caliente' ou ter cantado na Sydney Opera House são momentos e concertos que eu lembro e guardo no meu coração com muito carinho.

Até se pode dizer, sem dúvida, que estes momentos marcaram a minha carreira musical em vários aspectos e que até se refleten na música que eu faço hoje em dia. Lembro que o Prince acostumava convidar-me para ir ao seu estudio. Também quis fazer uma pequena homenagem para estes momentos no disco.

—Finalmente, o que se pode esperar do futuro de Ana Moura?
No futuro próximo vou continuar a promover a Casa Guilermina e correr o mundo com este trabalho. Estou mesmo feliz por poder fazê-lo porque estive à espera bastante tempo que este disco saísse.

É um sonho porque é un disco muito especial para mim e poder levar as minhas músicas e partilhá-las pelo mundo vai ser algo excepcional.

Comentarios