TORRE DE TREZENZONIO

O nome do reino cristão ocidental

De seguido publicamos unha nova entrega da serie da sección sobre Historia da Galiza "A Torre de Trezenzonio"

De perguntarmos a qualquer súbdito do reino de Espanha polo nome do reino que deu origem a este estado actual responderia, com certeza, o reino de “Castilla”. E se ainda pretendessemos uma resposta mais atildada, precissariam que antes se foi o reino de León ou mesmo de Astúrias. Deseguro nenhum pensaria no reino da Galiza.

De certo a historiografia actual segue a perpetuar o “erro” ou, melhor dizer, o engano intencionado. Este engano nasce nalgum momento do século XII como aportação ao processo permanente de borrado da pegada galaica na história (noutro momento, aqui mesmo, falei do idioma de Afonso VI). O engano, despois, transmite-se e amplifica-se permanentemente, até a actualidade.

Há alguns anos começaram a aparecer vozes que reinvindicam a denominação de Galiza ou Galécia ou ainda Gallaecia (por orde cronológica inversa) do reino cristão ocidental, ainda que na maioria dos casos o que reivindicam é a existência dum reino de Galiza dentro da Coroa de Castela. Con todo o habitual é procurar alguma explicação requintada a esses poucos (nem tão poucos) casos em que se coou (ou ficou incólume ao longo das sucessivas cópias) alguma denominação não desejada em documentos e obras.

Como amostra destas explicações citarei ao historiador e professor da U.S.C. Ermelindo Portela e o seu García II de Galicia, el rey y el reino.Ao argumentar sobre a identidade do príncipe que ia desposar a filha de Guilherme de Normandia (depois rei de Inglaterra), diz:

“Finalmente, el argumento de que tanto Guillermo de Malmesbury como Oderico Vital se refieran a Alfonso como rey de Galicia no tiene relevancia especial. Es muy frecuenteen las fuentes exteriores al reino asturleonés y galaico-castellano-leonés –tanto árabes como latinas- que el núcleo hispanocristiano del noroccidente peninsular sea designado, seguramente en razón de viejas tradiciones, con el nombre de Galicia. En la misma obra de Guillermo de Malmesbury hay otra referencia a Alfonso VI en que éste vuelve a ser nombrado como rey de Galicia, en un momento en que, como acredita el propio texto, sus éxitos contra los musulmanes y particularmente la conquista de Toledo lo han convertido ya en un monarca famoso.”

Como nota ao pé insire o texto latino do de Malmesbury(tirado do seuDe gestis regum anglorum) onde relata a morte de Guilherme, coincidente co tempo (Ille fuit annus ...) em queos sarracenos hispanos (Sarraceni Hispani)forçados (coacti) por Afonso rei de Galiza (ab Adefonso rege Gallicie) cedem territórios e cidades.

Resulta curioso que um historiador da capacidade e penetração intelectual de E.Portela não perceba nenhuma consequência do que diz por palavras próprias. Ou que, se o percebe, não se “atreva” a enunciá-lo.Quer dizer, que fora dos territórios cristãos do noroeste de Hispánia o habitual era denominar o reino por Gallaecia, Gallaetia ou Galécia e, mesmo em árabe Jalikiya, engado eu. E que era o habitual no mesmo território cuja denominação procuramos?. A seguir imos vê-lo.

Também resulta curioso o argumento das “viejas tradiciones” que em qualquer argumentário ressultariam um motivo de peso para justificar que essa (e não outra) devia ser a denominação desde antigo. Entendo que velhas tradições não quer dizer tradições obsoletas mas tradições que datam de velho e estão ainda vivas e ativas. Vejamos aonde podemos remontar-nos

A província Romana

Um dos primeiros contactos romanos com a Gallaecia puido ser o motivo de essa denominação ser adoptada para todo o território ao noroeste do Douro. Segundo opinião geral o termo deriva da “tribo” dos Calaicoi ou Kallaikoi, assentada nas beiras do Douro (na vizinhança de Cale, hoje V.N. de Gaia?). Dêcimo Júnio Bruto adotou o sobrenome de Gallaico pola sua vitória (isto é o que se regista na história) sobre esta étnia que, a julgar polo número de baixas reivindicado, devou ficar sem homens em idade reprodutiva por muitos anos... A pesar da esmagadora vitória (137 ane) o romano retornou sem ter deixado a menor estrutura administrativa ou militar no território, que se saiba. Resulta chocante que uma vitória tal como para merecer um trunfo na cidade Eterna resultasse de tão pouco proveito e penetração.

Anos mais tarde (65 ane) chegaria César com a inestimável ajuda da familia gaditano-romana dos Balbo. Tampouco parez que fora essa a altura da integração ao poder romano, ainda que a informação é escassa. Temos que aguardar a Octávio (Augusto) para considerarmos definitivamente submetidos ao Império.

Sin títuloA região norocidental das Hispánias esteve integrada em diversas provincias (a Citerior primeiro, a Tarraconense depois e mesmo por pouco tempo na Lusitana) antes de ser convertida ela mesma em provincia romana com o nome de Gallaecia em tempo de Diocleciano (imp. 284 a 305). Os límites desta Gallaecia estão ainda em discusão... e esta discusão mantém-se apenas porque para os objectivos políticos da historiografia espanhola a existência mesma da Gallaecia é um incôrdio.

Não surpreende pois que, se os romanos apreciaram certos riscos válidos para organizarem uma província, esses riscos existissem de facto além do período propriamente romano. Máxime de termos em conta que a orografia e o clima é um desses factores.

No tempo dos suevos e dos godos

Na “nossa” província estabeleceu-se no 411o primeiro reino post-romano que se denominou “dos suevos e dos galaicos” e, mais habitualmente,Regnum Gallaeciae. As suas dimensões e límites variaram. Dependendo das épocas, abranguia desde Lisboa até o Ebro ou se circunscrevia ao território original (ainda por definir) da provincia romana. A personalidade política, jurídica, administrativa e cultural deste reino é indiscutível e não é este o momento de reinvindicá-la (concilios próprios, divisão parroquiais, priscilianismo...).

Sin títuloA vitória dos visigodos sobre os suevos mudou pouco as cousas. Foi habitual os monarcas godos manterem na Gallaecia um delegado, com frequência filho e potencial herdeiro. O caso mais conhecido é o de Orriga (segundo a Crónica de Sta. Maria de Íria) mais conhecido por Witiza.

Para conhecer as dimensões da Gallaecia sueva e visigoda citemos o padre da igreja hispánica: Isidoro de Sevilha. Para Isidoro (560-636), arcebispo de Sevilha, na súa obraEtymologiae,"...as regiões são partes das provincias ... como na Galiza Cantabria e Astorga(“...regiones partes sunt provinciarum (...) sicut in Gallicia: Cantabria, Asturica..."). Não surpreende que para Isidoro, muito próximo cronológicamente do império Romano, Gallicia fosse uma província em que se incluíam territórios bem ao leste da actual Galiza e que mantenha a “velha tradição” que na altura é tradição que vem já de velho e ainda viva.

Após a inventio do seplucro de Santiago

A seguir imos ver diversas citas de textos latinos onde se nomea o reino cristão do noroeste da peninsula Ibérica como Gallaecia, Gallecia e outras formas. Os textos procedem tanto de fontes alheias como de fontes “próprias” da Galiza da que falamos... isto é do reino cristão peninsular.

López Ferreiro,na sua obra Hª de la Sta Iglesia compostelana, cita uma carta do papa João VIII (papa de 872 a 892), em latim, que diz:

João bispo, servo dos servos de Deus ao querido filho Afonso Rei das Galizas Recebemos a vossa carta com devoção, ... (Joannes episcopus servus servorum Dei dilecto filio Adefonso Regi Gallaeciarum. Litteras devotionis vestrae suscipientes, ...)

Numa web, denominada “el cuaderno de notas de Ricardo Chao”, o autor, leonesista de pró, pretende demostrar que o reino foi sempre “de León” e como argumentos podem-se ver as seguintes citas, entre outras.

Uma procede do documento 7da Colecção Diplomâtica do Mosteiro de Sahagún,datado  o 30 de noviembre do 904 onde diz que a igreja do lugar de Calzada está sobre o rio de nome Cea, na fronteira de Galiza ("...in eclesia in loco Calzata que est sita super ripam fluminis cui nomen est Ceia in finibus Gallecie"). O documento citado situa o rio Cea (no límite entre a provincias actuais de Leão e Palência) como límite do território de Gallecie sem o menor lugar a dúvidas.

Numa segunda cita, a do diploma nº76 da “Colección Documental de la Catedral de León”, que data do 12 de janeiro do ano 928, el Obispo Fruminio diz estar na cidade chamada “Legio(Leão), no território de Gallecie. ("in civitate quo uocitatur Legio, in territorio Gallecie".)

Na minha opinião o que demonstram estas citas é exactamente que o território que a historiografia oficial espanhola (e portuguesa e galega) chama reino de Leão era, na verdade, de Galiza e que a cidade de Leão (Legio) era a sua capital política.

Numa cita da Crónica Najerense ou,tal vez, doutra fonte não identificada,recolhida por Gregorio de Balparda y de las Herrerías no seu Historia crítica de Vizacaya y de sus fueros denomina-se a Vermudo III (†1033)imperator in Gallaecia. Resulta curioso que um monarca conhecido pola historiografia espanhola como “rei de León” seja denominado com referência á Galiza numa fonte castelã-riojana próxima, no tempo, ao personagem.

O documento 534 do Tombo de Cela-Novadatado no ano 1060 e referido a Fernando (R. 1033-1065) nomea-odom Fernando príncipe sobre toda a Galiza (...domnusFernandusprincepssuperomnemGalletiam...). É óbvio que a referência a “toda a Galiza” abrangue não apenas o território galego de hoje, mas também o do actual Portugal mais os territórios até o rio Cea... que adoitam denominar-se “reino de León”.

Outra localização do mosteiro de São Fagundo e Primitivo sobre a ribeira do rio Cea ("...uel collegio fratrum Sancti Facundi et Primitivi, in finibus Gallecie, super ripam amnis Ceia..."), idéntica á citada acima, mas de março do 1060, podemos vê-la na colecção documental de Sahagún, no documento nº 613.

Ainda o papa Urbano II (p.1088-1099), que passara temporadas na Península como legado papal antes de ser, ele mesmo, elevado ao pontificado, refere-se numa carta de 1088 a Afonso VI como Ildefonsus regi Gallicie [Ildefonso rei da Galiza].

A partir destes poucos exemplos parez evidente que o nome do reino era Gallaecia, Gallicia, Galécia e outras variantes do mesmo nome (latinizações dum nome que parez semelhar-se muito ao atual) e as formas árabes correpondentes. O último destes exemplos do tempo em que Toledo fora já incorporado ao reino, baixo o poder de Afonso VI (r.1068-1109), permite ver que era ainda costume (de velho) o uso desse topónimo para o reino ocidental nos finais do século XI.

Ainda pode citar-se outro caso que facilita compreendermos as falsificações, quer intencionais quer acidentais, que a história de Espanha (e Portugal) introducem por interpretações fora de contexto.

Quando a Crónica Silense relata o episódio em que Fernando, conhecido mais tarde como primeiro,acaba de vencer a Vermudo III nas beiras do rio Tamarón, perto de Burgos, diz:

Fernando, pois, uma vez morto Vermudo, procedente dos confins da Galiza, assedia Leão e passa todo o reino ao seu ditado. ("Fernandus deinceps, extincto Veremudo, a finibus Gallecie veniens obsedit Legionem et omne regnum sue dictione degitur.")

Esta passagem tem sido mal entendida e/ou tergiversada por diversos autores espanhois, entre eles Pérez de Urbiel, incapazes de suportar a ideia de que o “seu” reino de “León” fora, realmente, de Galiza. Interpretam que Fernando sitia Leão, a cidade, procedente da Galiza entendida como o território que hoje designa o termo. O erro mantém-se desde há muito tempo, eu diria que a mão-tenta, ainda que não tenha nada de real, nem sequer de possível. No tempo o caminho á Galiza passava inexorávelmente pola cidade capital do reino, portanto é impossível que o usurpador se dirija a Leão desde a actual Galiza, quando para chegar ali desde Castela há de passar necessáriamente pola cidade.

As fontes mussulmanas

Os casos de referências na historiografía árabe são numerosos mas a sua cita resulta consideravelmente menos fácil de proporcionar. Primeiro pola dificuldade de acceder aos textos originais (tanto polo idioma como pola sua escassa difussão) e segundo pola tendência a traducir (para espanhol) modificando o termo Galikia ou Jalikiya para reino de Leão, como na ilustração. Como amostra destas fontes deixo um treito de Otra idea de Galicia de M.A. Murado. Nelediz: «…los musulmanes, que se referían a la parte cristiana dela Península invariablemente como Djalikiyah o al-Yalalika («Galicia»). Estetopónimo, a pesar de ser bastante transparente, siempre ha resultado extrañamentedifícil de traducir para algunos historiadores. Morayta, en su Historia general deEspaña, por ejemplo, lo convierte milagrosamente en «Cantabria». Gayangos, en suedición de las crónicas de al-Maccari, traduce «ardhu al-Jalalkah» («la tierra de los gallegos») por «Galicia y Asturias», mientras que para Lafuente «Jalikiya» es, no sesabe cómo, «Reino de León». Al-Maqqari, al-Himayavi, IbnKhaldun, el AkhbarMachmua… No hay documento árabe que no hable de Galicia o los gallegos en vez delmítico «reino de Asturias».

Sin títuloO Foro de Avilés

Como curiosidade, apresento uma última prova, indirecta e tardia, da denominação do reino: o foro de Avilés. Outorgado em 1155 por Afonso Raimundes, conhecido como “o imperador”, é um dos mais antigos textos em lingua romance (outra cousa é saber quê lingua). Por este motivo são muitos os estudos dedicados a ele e destes estudos derivou a certeça de que o documento conservado é cópia do século XIII. Qual a importância para este caso do foro? Pois uma disposição que em quase todas as selecções do texto (nunca reproduzido ao completo nas fontes que eu teve ao meu alcanço) é sistemáticamente ocultada. Apenas numa revista de escassa divulgação,Iber nº 78 (out.-dez. 2014), foi que, por casualidades múltiplas, eu consegui ler um artigo de José A. Álvarez e Mª del Carmen Fernández titulado Un ensayo acerca de las posibilidades didácticas de un documento medieval. No artigo incluiam-se treitos do Fueroentre eles o texto que diz assim:

Et illos maiorinos quae illo rei poser, siant vezinos de illa villa, I franco e I gallego, que illos ponga por laudamento de illo concellio...

Um meirinho galego em Avilés? Em pleno coração do velho reino de Astúries? O do correspondente franco tem como causa a duplicidade populacional da refundação da vila mas... por que não diz, em pleno reino de Astúries, um meirinho asturiano? Ou leonés? Não, diz galego. E diz galego porque Galiza era o nome do reino e o seu gentilício não pode ser outro que galego, das Astúries, mas galego.

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