Como a extrema-direita ganhou força em Portugal

A uma semana das eleições legislativas em Portugal, antecipa-se um cenário político de instabilidade mas, sobretudo, o reforço da extrema-direita, apoiada por grupos económicos e promovida 
pelos principais canais de televisão.
André Ventura, do Chega. (Foto:  Europa Press / Contacto / 
 Henrique Casinhas)
photo_camera André Ventura, do Chega. (Foto: Europa Press / Contacto / Henrique Casinhas)

Durante anos, valorizou-se Portugal como um dos poucos países europeus sem extrema-direita com representação parlamentar. Em 2015, no contexto da queda do governo liderado pelos conservadores Partido Social-Democrata (PSD) e CDS-Partido Popular (CDS-PP) e viabilização do executivo composto pelo Partido Socialista (PS), com o apoio da esquerda no parlamento, a direita portuguesa entrou em processo de atomização. Nas eleições seguintes, em 2019, o Chega e a Iniciativa Liberal (IL) elegeram pela primeira vez deputados únicos. Três anos depois, o Chega conseguiu eleger 12 representantes e a IL 8. O CDS-PP desapareceu da Assembleia da República.

O Chega, na pior das hipóteses, pode duplicar o número de votos

A uma semana das eleições legislativas, as sondagens antecipam que o Chega, na pior das hipóteses, pode duplicar o número de votos. Apesar da estética anti-sistema, vestida de novidade, muitas das principais figuras deste partido, como da IL, vêm do PSD e do CDS-PP. Por exemplo, André Ventura, líder da extrema-direita, foi candidato do PSD à câmara municipal de Loures. Durante o período da Troika, João Cotrim Figueiredo, primeiro deputado a ser eleito pela IL, tinha sido já presidente do Turismo de Portugal, um organismo estatal responsável pela promoção da atividade turística do ponto de vista institucional.

André Ventura, líder da extrema direita, foi candidato do PSD à câmara municipal de Loures

Com o Chega a assumir grande destaque na campanha eleitoral que termina no próximo dia 8 de março, o diário Público fez sair uma reportagem com as ligações deste partido da direita radical a grandes grupos económicos e financeiros. O jornalista Miguel Carvalho, especialista na extrema-direita portuguesa, revelou a ligação a aristocratas, influencers, bombistas, polícias, militares e diretores de prisões. Uma investigação que revela que dentro do partido de André Ventura cabem condenados por assassinato, agressores de imigrantes e, até, quem tenha assaltado caixas de esmolas. Como refere Miguel Carvalho na reportagem, apesar de André Ventura dizer que “quem manda é o povo e não as elites que nos governam”, a simpatia das elites portuguesas pelo Chega é óbvia. É o caso das famílias Mello e Champalimaud, das mais ricas do país, historicamente com ligações ao fascismo de Salazar. Também de João Bravo, líder na venda de armas e equipamento militar ao Estado português, também do maior grupo rodoviário, de empresários ligados ao imobiliário, turismo e agroindústria.

Mas André Ventura desatou a polémica quando o Chega elegeu como deputado Diogo Pacheco de Amorim, dirigente do braço político do Movimento Democrático de Libertação de Portugal, organização terrorista de extrema-direita que promoveu uma campanha de atentados durante o processo revolucionário, entre 1975 e 1976. Várias pessoas foram assassinadas e centenas de sedes de partidos de esquerda foram alvo desta e de outras organizações armadas. Entre as ligações internacionais, o Chega destaca-se pelas relações de amizade com figuras como Salvini, Le Pen, Abascal e Bolsonaro.

Promoção mediática

A normalização da direita radical no debate político trouxe para cima da mesa temas impensáveis até há poucos anos, como a pena de prisão perpétua ou a castração química de pedófilos. Mas veio sobretudo lançar a ideia de que Portugal é um país inseguro por culpa dos imigrantes. Todos os dados mostram o contrário. Segundo o Global Peace Index, Portugal é o sétimo país mais seguro do mundo.

A radicalização do discurso é cada vez mais evidente até nos partidos ditos democráticos

Com a coligação entre o PSD e o CDS-PP (Aliança Democrática) na disputa pelos votos à direita com o Chega, a radicalização do discurso é cada vez mais evidente até nos partidos ditos democráticos. Há poucos dias, o antigo primeiro-ministro durante o período da Troika, Pedro Passos Coelho, do PSD, irrompeu na campanha eleitoral para dizer que as pessoas sentem uma insegurança, atribuindo-a precisamente aos imigrantes: “Lembro-me de uma intervenção em 2016, no Pontal, em que disse que precisamos ter um país aberto à imigração, mas cuidado precisamos ter também um país seguro. O governo fez ouvido mouco disso. Na verdade, hoje as pessoas sentem uma insegurança que é resultado da falta de investimento”.

Quando o Chega tinha apenas um deputado, recebia já mais cobertura mediática do que a Coligação Democrática Unitária, conformada entre comunistas e ecologistas, com 12 deputados. Em 2023, André Ventura, com o Chega já com 12 deputados, foi a terceira figura política com mais horas de cobertura televisiva no conjunto dos telejornais portugueses, apenas atrás do Presidente da República e do primeiro-ministro.

De acordo com Nuno Ramos de Almeida, editor-chefe do Diário de Notícias, um dos principais jornais portugueses, esta excessiva atenção mediática dada à extrema-direita deve-se ao fator novidade, uma vez que a comunicação social é “atreita ao sensacionalismo e ao que é novo”, mas também a uma “progressiva normalização” das ideias de André Ventura. Como exemplo, o jornalista explica que é igual a um acidente na auto-estrada em que todos querem ver. “Gera grandes audiências este formato comunicacional de 
linguagem agressiva”. 

A campanha eleitoral termina 8 de março

Questionado se isto não põe em perigo o regime democrático, Nuno Ramos de Almeida responde que os donos dos grupos de comunicação social não se importam com esse perigo. “O Chega não põe em causa o capitalismo e se estivessem realmente preocupados não lhe davam espaço”, sublinhou. Ainda assim, destaca, não é um fenómeno português. Uma solução possível, refere, seria que a comunicação social “não fosse dominado pelos mesmos”, recordando também o problema das redes sociais. “O algoritmo funciona para multiplicar o tempo de permanência na rede e o tempo de permanência na rede é multiplicado por determinadas afirmações muito extremistas que dão grande contestação e isso repercute na comunicação social. O negócio da agressividade e do ódio é o negócio do algoritmo. Para além disso, as publicações do Chega não estão limitadas, ao contrário do que acontece, por exemplo, com as publicações relacionadas com a Palestina”.

CGTP-IN alerta

A 23 e 24 de fevereiro, a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses-Intersindical Nacional elegeu no seu 15.º congresso um novo secretário-geral. Tiago Oliveira, de 43 anos, mecânico de pesados oriundo dos arredores do Porto, assume a liderança da maior central sindical portuguesa, com 550.000 filiados. Com as eleições à porta, defende que os trabalhadores devem encarar o plebiscito como um dia de luta. “Como se estivessem à porta da empresa a lutar por melhores condições de vida”, afirma. 

Sobre o papel da extrema-direita, recorda que há partidos que escondem os seus reais interesses e que nem sempre têm a coragem de afirmar os seus reais objetivos. A destruição da saúde e do ensino públicos são algumas das metas, considera, e a melhor forma de combater estes partidos é conversando com os trabalhadores alertando-os para estes perigos. Nesse sentido, recorda o silenciamento a que é votado o movimento sindical em detrimento da direita e da extrema-direita. 

“O ataque é enorme àquilo que foram as conquistas do 25 de Abril. Foi a luta de um povo contra o fascismo pela conquista da democracia e de uma vida melhor”, destaca. Evocando os 50 anos da revolução portuguesa, recorda a importância de reforçar a luta nas ruas e nos locais de trabalho.


“Vota Contra o Racismo”

Milhares de pessoas participaram em manifestações e concentrações contra o racismo em oito cidades portuguesas no dia 24 de fevereiro. Mais de 64 estruturas, entre as quais a Frente Anti-Racista e o movimento Vida Justa, juntaram-se sob o mote “Vota Contra o Racismo”, num apelo lançado pelo Grupo de Ação Conjunta contra o Racismo.

A iniciativa vem na sequência da manifestação organizada pela extrema-direita este mês, a qual não foi permitida nos moldes inicialmente previstos e do discurso de ódio que tem vindo a ser normalizado no espaço público. Assim, desta forma, as ações, até pelo momento político vivido, ganharam importância redobrada. 
“Numa altura em que o racismo, a xenofobia e a extrema-direita ganham terreno, não só em Portugal como em toda a Europa e a nível mundial, é urgente sair à rua e mostrar a nossa força para exigir propostas e ações significativas, concretas e eficazes para combater o racismo estrutural e institucional patente na sociedade portuguesa”, pode ler-se no texto disponibilizado 'online'.

Os organizadores sustentam que os protestos são uma forma de contestar a indiferença, a apatia e o desrespeito pelas conquistas da revolução de Abril, recordando as “tantas pessoas que deram a sua vida para deixar para trás a ditadura que a extrema-direita quer recuperar". "A liberdade e a igualdade são os valores que nos movem na defesa da democracia! O silêncio das instituições é cúmplice. Não o acompanharemos nem o legitimaremos!", sublinham.

Defendem, por isso, que "é urgente" que todas as forças políticas democráticas assumam publicamente compromissos muito claros para combater o racismo, a xenofobia e a islamofobia.

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