Extrema-direita ensombra eleições nas vésperas dos 50 anos da revolução

Em 2022, o primeiro-ministro português, António Costa, fazia cair o seu próprio governo para pedir mais deputados para governar sem depender de ninguém. Acusava a esquerda de exigir o ‘impossível’. Incrédulos, os portugueses viram em outubro do ano passado cair o mesmo primeiro-ministro que prometera estabilidade no país se o Partido Socialista (PS) tivesse maioria absoluta. O nome de António Costa surgiu em escutas telefónicas de membros do governo suspeitos de corrupção, incluindo o chefe do seu gabinete, e, apesar de não haver provas claras do seu envolvimento, decidiu pedir a demissão ao Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa dissolveu a Assembleia da República e convocou eleições legislativas para o dia 10 de março. As primeiras eleições livres, depois de quase meio século de fascismo, realizaram-se a 25 de abril de 1975, um ano depois da revolução. Mais de 91% dos eleitores acorreram às urnas em filas intermináveis, num processo que mobilizou o país para a escolha dos representantes para a Assembleia Constituinte, que não iria formar governo mas elaborar e aprovar a Constituição da República Portuguesa no ano seguinte. Com a publicação dos resultados provisórios, o jornal Diário de Notícias inscrevia na primeira página: “Confirmada a via socialista”. Os quinze dias que abalaram Portugal O PS e a esquerda Volvidos 49 anos, o PS procura garantir uma nova vitória com o seu novo secretário-geral Pedro Nuno Santos. Com 46 anos, o ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação aparece à frente nas sondagens sobre quem os portugueses acreditam que daria um melhor primeiro-ministro. Apelidado de radical pelos partidos à direita do PS, Nuno Santos promete investir mais no Serviço Nacional de Saúde e na habitação, dois setores numa situação crítica. À esquerda, a coligação entre o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista “Os Verdes” (CDU), o Bloco de Esquerda (BE) e o Livre lutam para resistir à possível tormenta do voto útil no PS, para evitar o regresso ao poder dos partidos mais à direita com o apoio da extrema-direita. A ‘traição’ do PS aos acordos com a esquerda é uma cicatriz que vai demorar a sarar mas Pedro Nuno Santos foi uma das figuras que dentro desse partido soube negociar com o PCP, Verdes e BE. À esquerda, tenta-se passar a mensagem de que mais votos na CDU ou no BE são a garantia de que o PS terá de olhar mais para os trabalhadores e menos para o poder financeiro. O facto é que o partido que mais vezes governou o país participou, como a direita, na privatização dos setores estratégicos e optou por não recuar na liberalização do mercado da habitação. Mariana Mortágua (Bloco de Esquerda): "Portugal necessita uma viragem e mudar as políticas de António Costa" PSD e Chega Luís Montenegro, líder do Partido Social-Democrata (PSD, partido irmão do PP), não consegue ganhar força nas sondagens e, se não conseguir formar governo, espera-se uma vendetta pela fação do seu próprio partido que apoia Pedro Passos Coelho, o antigo primeiro-ministro que quis ir mais longe que a troika nos cortes implementados. Mas é André Ventura que recolhe todas as atenções. O líder do partido de extrema-direita Chega só se conseguiu eleger a si próprio como deputado em 2019. Em 2022, no parlamento, o Chega passou de 1 para 12 deputados. As sondagens preveem que a extrema-direita possa eleger, na pior das hipóteses, mais do dobro dos deputados que tem atualmente. Em sintonia com o resto da Europa, a Iniciativa Liberal (IL), partido ultraliberal que apresenta a descida de impostos como a solução para todos os problemas nacionais, passou de 1 para 8 deputados, também em 2022, e agora espera uma ligeira subida. Com o discurso político contaminado pela extrema-direita, o Chega ocupa mensalmente os primeiros lugares dos partidos com mais projeção mediática. Este mês, no mesmo dia em que Ana Drago, antiga deputada do BE e socióloga, alertou para o perigo que o partido de extrema-direita representa para os jornalistas, um repórter do jornal Expresso sofreu ameaças e foi expulso pela força de um debate com a participação do Chega. A dereita e a ultradereita, con vantaxe nas eleccións en Portugal do vindeiro 10 de marzo Contudo, apesar do discurso racista e xenófobo, o partido de André Ventura tem tentado moderar a sua imagem. Propostas como a pena perpétua e a castração química de pedófilos desapareceram do debate político. Com o Chega a subir nas sondagens, André Ventura sabe que a direita só vai conseguir governar com o apoio da extrema-direita. Apesar de o PSD querer mostrar que não vai governar com o Chega, o facto é que fez um acordo com o partido de André Ventura para poder governar os Açores. Oficialmente, a corrida eleitoral só começa no fim de fevereiro, mas a febre eleitoral já começou. Os candidatos vão tentar convencer os quase 11 milhões de eleitores que têm encontro marcado com as eleições legislativas. Se a participação democrática é muito mais do que a ida às urnas, o momento em que se introduz o boletim de voto é também uma escolha que pode determinar mudanças e uma forma de avaliar o que pensam os que votam. Curiosidades eleitorais Em 1975, quando a Constituição da República Portuguesa foi aprovada por todos os partidos com assento parlamentar, à exceção do CDS-PP, os deputados constituintes decidiram que os processos eleitorais se dessem através do voto pessoal, direto, presencial, secreto e universal, utilizando o método de Hondt. Em Portugal, existem 22 círculos eleitorais, 20 em território nacional e dois para a emigração (um para a Europa e outro para o resto do mundo). Os eleitores de cada círculo plurinominal eleitoral elegem um número diferente de deputados correspondente à população de cada zona. Ao contrário das eleições na Galiza, os eleitores portugueses votam com um boletim único que contém todas as candidaturas. É aqui que cada um deve selecionar o partido escolhido. Outra diferença está nos membros das mesas eleitorais. Em Portugal, não há sorteio público entre os eleitores para o escrutínio. Para além dos representantes partidários, estão mulheres e homens escolhidos pelas juntas de freguesia em consonância com os partidos. Os representantes de cada partido não podem ser detidos, salvo se cometerem qualquer ato que indicie a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos e em flagrante delito. É proibido andar armado, incluindo polícias e militares, dentro e perto dos locais de voto. São os membros da própria mesa eleitoral que devem exercer a função de policiamento.