As posturas possíveis

No último mês, o Brasil teve pelo menos três movimentos dignos de atenção: a aprovação da reforma tributária do governo, o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) pelo presidente Lula e as tratativas diplomáticas para resgatar brasileiros em Gaza. Nenhum deles é o que parece. Pela primeira vez no regime democrático, temos uma Reforma Tributária aprovada. Aderiremos enfim ao IVA, substituindo diversos impostos sobre tipos de produtos ou serviços específicos. Mesmo sem aumento ou redução de carga tributária, segundo o governo, o consumidor saberá quanto paga de impostos e as empresas já não precisarão recorrer à criatividade para buscar isenções. Por exemplo, no Brasil não existe produção de perfumes. Isso se dá porque o item "perfume" é taxado em 42%, enquanto sobre a "água de colônia" só incidem 12%. Embora seja consenso que a reforma é favorável ao ambiente dos negócios, os parlamentares ditos liberais cobraram bastante caro pelos votos a favor. Essa é a democracia que existe. Além de abocanharem o comando de instituições estratégicas, como o gigante banco federal Caixa Econômica, ameaçaram barrar o texto até o último minuto com a intervenção direta de Jair Bolsonaro. Após todos os revezes na justiça, ele parece ter ganhado novas forças dentro do espírito do tempo atual. Javier Milei reiterou que cortará relações com o Brasil, principal parceiro comercial do seu país (Entre parênteses, outro liberal avesso aos negócios vem circulando pela imprensa brasileira. Em entrevista recente, o candidato libertário à presidência da Argentina Javier Milei reiterou que cortará relações com o Brasil, principal parceiro comercial do seu país, porque Lula é "corrupto e comunista". "Como chefe de Estado", continuou, "meus aliados são Estados Unidos, Israel e o mundo livre". O segundo turno se aproxima, vamos observar). Garantia da Lei e da Ordem A GLO foi anunciada por Lula em 1/11 em portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo para promover a "asfixia logística" de organizações criminosas. Trata-se de um dispositivo acionado quando se constata o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública e os militares recebem o poder de polícia até o restabelecimento da normalidade. Existe uma crise de segurança. É difícil discernir a natureza dessa crise, para além do que ela produz. Inclusive é difícil dizer se de fato configura uma "crise" ou alguma espécie horrenda de novo normal. Usar os militares nesse combate, considerando nosso passado recentíssimo, pressupõe um equilíbrio espinhoso entre remédio e veneno. No aspecto estritamente operacional, em outubro foram furtadas 21 metralhadoras do arsenal de guerra de um quartel na Grande São Paulo. São armas pesadas, com capacidade para derrubar aeronaves, que só poderiam ser transportadas com auxiliares internos. No entanto, as "forças tradicionais de segurança pública" também atuam sinuosamente. Na quarta-feira 8/11, a Polícia Federal (PF) prendeu duas pessoas que teriam ligações com o grupo libanês Hezbollah em uma operação para "interromper atos preparatórios de terrorismo e obter provas de possível recrutamento de brasileiros para a prática de atos extremistas no país". O FBI e o Mossad, serviço secreto israelense, teriam participado. Este último agradeceu a cooperação que "frustrou um ataque terrorista no Brasil, planejado pela organização terrorista Hezbollah, dirigida e financiada pelo regime iraniano", em nota enviada à imprensa pelo gabinete de Netanyahu. Jair Bolsonaro Enquanto isso, a semana passada o embaixador de Israel foi convidado por deputados de direita para exibir um vídeo do ataque do Hamas de 7/10 no Congresso Nacional. Estava acompanhado por ninguém menos que Jair Bolsonaro. Dias depois, Israel anunciou que liberaria os brasileiros para deixar Gaza. Os apoiadores do ex presidente não hesitaram em encaçapar o feito: "#obrigado Bolsonaro" e "#BolsonaroNobeldaPaz" subiram rapidamente nas tendências do X, ou Twitter. É possível que, com o resgate dos nossos nacionais, o –certeiramente– pragmático governo Lula possa acompanhar nossos vizinhos latinoamericanos em posições mais contundentes contra tanto horror. Havia mencionado no último artigo uma deputada de esquerda, Sâmia Bonfim, que vinha se destacando no combate a discursos muito nocivos no Congresso. Após o assassinato (por engano, dizem) de seu irmão no contexto da guerra entre facções armadas no Rio de Janeiro, Bonfim pediu licença médica por tempo indeterminado e está combatendo outras batalhas, das quais nós não sabemos nada.