Dia da Independência

Estamos nos idos de 2021, madrugada de 8 de setembro. Começam a circular pelas redes sociais depoimentos emocionados de caminhoneiros que, à época, paralisavam rodovias em demonstração de apoio ao presidente. Entre lágrimas aparentemente verdadeiras, movidos pelo discurso do mandatário no Dia da Independência, aqueles homens celebravam: “Meus amigos de todo o Brasil, desculpa pela emoção, mas a nossa luta valeu a pena. Ficamos sabendo agora que o presidente da república, Jair Messias Bolsonaro, resolveu agir e, a partir de agora, o Brasil está em Estado de Sítio!”. 7 de setembro marca o dia em que o príncipe português Dom Pedro, em 1822, teria declarado a independência do Brasil. Em contraste aos países vizinhos, a nação brasileira não nasceu de movimentos civis, mas de um ato aristocrático, dando origem a um Império em vez da república. Em 2021, a tensão entre o poder executivo e o judiciário, que já investigava os apoiadores de Bolsonaro, fundamentaria o regime jurídico excepcional. Não houve nenhum decreto de Estado de Sítio, é claro. Aquela fake news era sintoma do transe nacional que padecemos. Naquele ano, após o grande desfile militar, Bolsonaro afirmou que “Só Deus me tira daquela cadeira”, em referência ao cargo de presidente. Na atual configuração política brasileira - espécie de republicanismo evangélico - há quem repute a Deus diversas ações, na falta de melhor explicação. De 2021 a 2022 Depois veio 2022. Não sei se já houve algo mais errado, do ponto de vista simbólico, que o 7/9 daquele ano. Mandaram vir, de Portugal, o coração embalsamado de Dom Pedro I. A nação brasileira não nasceu de movimentos civis, mas de um ato aristocrático, dando origem a um Império em vez da república Na tribuna de honra do desfile, observamos um constrangido presidente de Portugal postado ao lado não do presidente, mas de uma figura bizarra em terno verde e amarelo conhecida como o “Velho da Havan” -proprietário de uma cadeia de lojas (Havan) e investigado por apologia ao golpe de Estado-. Os chefes dos poderes legislativo e judiciário não compareceram. Naquele discurso, em plena campanha presidencial, Bolsonaro voltou a questionar a segurança das urnas eletrônicas e, em determinado momento, afirmou-se “imbrochável”, puxando o coro da platéia. “Imbrochável” seria, digamos, um neologismo para alguém imune a episódios de disfunção erétil. Mas vamos voltar depressa a 2023. Na última semana, o instituto de pesquisas IPEC divulgou um salto na popularidade do atual presidente Lula da Silva, com 40% dos entrevistados avaliando o governo como “ótimo” ou “bom”. Povo volúvel ou impressões midiáticas exacerbadas, tudo muda muito rápido. O desfile deste ano foi marcado pela institucionalidade, como deveria ser, para cerca de 50 mil pessoas. Os chefes das forças armadas se revezaram ao lado do presidente, de forma a apoiar a ideia de normalidade entre civis e militares. Como acenos simbólicos, a primeira dama estava vestida de vermelho e uma personagem criada para incentivar a vacinação desfilou junto aos militares. G-20 e Brics Em seguida, Lula embarcou para a Índia. Participará da 18ª cúpula do G-20, grupo que reúne 19 das principais economias do mundo e a União Europeia, e assumirá a presidência do bloco pelo próximo período. Quando criado, o G-20 reunia apenas ministros da economia. Na crise financeira de 2008, Lula propôs que o bloco se transformasse em um grupo permanente de chefes de Estado. À época, o governo brasileiro avaliava que o G-20 substituiria o G-8 (G-7 e Rússia) em um movimento de redução de desigualdades mundiais. Voltemos novamente a 2023. Esta cúpula, composta por países frontalmente opostos em diversos aspectos geopolíticos, não deverá chegar a nenhum consenso. É provável que as nações do G-7 e do Brics não consigam sequer criar uma declaração final conjunta. O filósofo marxista Domenico Losurdo, morto em 2018, dizia que o conteúdo fundamental do século 20 foi a luta entre colonialismo e anticolonialismo, e que seguimos sob a sombra permanente da contrarrevolução colonial. Lula enfatizará o combate às desigualdades e às mudanças climáticas, demandando que os países mais ricos cumpram a promessa de destinar 100 bilhões de dólares por ano a ações ambientais no mundo em desenvolvimento. Defenderá ainda reformas no sistema de governança global, especialmente o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização das Nações Unidas (ONU) e o seu Conselho de Segurança. Em 2004, durante o primeiro mandato de Lula, um slogan divertido se tornou muito popular -provavelmente por encontrar eco na realidade-. Ele dizia: “Sou brasileiro e não desisto nunca”.