Opinión

Tres poetas en estado de alarma

Que ocorre quando três pessoas que escrevem —como dissera Samuel Beckett— porque só servem para isso, ou —como anunciara Carlos Fuentes— porque é uma das cousas estranhas que sabem fazer, ou, simplesmente, —como apontara Doris Lessing— porque são animais escreventes, que ocorre, ia dizendo, ao verem-se submetidas a um isolamento obrigatório? Que ocorre quando três escrevedores ficam confinados porque uma pandemia assalta o território que previamente já tinha sido assaltado por corsários que arremeteram contra todo o tecido material e humano dum Estado que se diz avançado e é incapaz de produzir umas singelas máscaras, porque foi dizimado por bandoleiros que atracaram os centros monetários, por piratas que abordaram os núcleos de pesquisa oncológica ou cardiovascular, por assaltadores que roubaram sem trégua em universidades e construções viárias, encabeçados por um soberano de linhagem, supostamente, devota do prostíbulo de elite, prática supostamente furtadora e destro viageiro de Medina à Meca, todos eles a exercerem, supostamente, é óbvio, a fugaz rapinagem? Que ocorre quando...?

A peste / outra vez a peste. / A existencia é contaxio e sobre esta existência pairam figuras e vozes que chegam ecoando do fundo profundíssimo da História: Boccaccio, Mann, Camus, Defoe, testemunhas permanentes a presenciarem outras pestes que pairaram ateigadas de morte. Mas agora o andaço já não paira sobre a abadia de Westminster, nem sobre a Ponte de Rialto, mas sobre A Límia, A Paradanta, aqui, na vizinhança, por pormos um exemplo, n’O Íncio, justo A menos dun metro onde as vozes se erguem. Na soidade das noites obstinadas, gozando com a evidência do medo convertido en unanime / consigna de obediência, conspira incansável um vírus através de cuja putrefata boca infecciosa, / brada o fascismo. É o vírus específico de bandeira, blasfêmia quartelense, proclama genital, imprecação alcoólica e braço amplificado. Contra ese virus, distancia / máscara e luvas / democracia e memoria, sobre tudo democracia e memória, sobre tudo, porque dias de isolamento podem desarrumar qualquer inteligência, (A deles naceu morta), reduzindo a coragem a cinzas infrutíferas, a determinação a uma simples paralise que gera Iluso aplauso ou aplausos e cânticos arrítmicos, esquecendo a harmonia real que proclama a justiça e a igualdade, enquanto certas vozes apregoam falsas ladainhas cujos ecos reais berran Viva la muerte / muera la inteligência, uma vez após outra, meses, lustros. Democracia, memória, inteligência, pensamento, consciência: quando perante a tremenda apocalipse, impõe-se o amontoamento massivo de papel hixiénico, aparece, em toda a sua crueza, um mecanismo íntimo, revelador duma funda urdidura pré-hominídea ou psicótica cujos comportamentos, provavelmente, só disciplinas como a Antropologia ou a Psicanálise poderiam dar conta de maneira ajeitada.

Ao ocorrerem estes eventos, os poetas garantem com as suas batalhas e propostas que ao três escrevedores ficarem no isolamento, escrevem e descrevem o mundo baixo a sua óptica específica, acusam, interpelam e, nomeadamente, procuram O púrpura estoupido / da liberdade, perguntam-se e perguntam polo feito de se acharem cantantes caribenhas cidadãs de Miami a executarem temas afervoadamente anticastristas, e, não obstante, essas mesmas cantantes desdenharem cadáveres insones que aboiam entre as augas dos mares de Alborán e o Estreito, esquecerem as mulheres irreversivelmente assassinadas em Cidade Juarez, ignorarem, essas mesmas cantantes, os mortos a pendurar do Muro (não de Berlim !) de Tijuana e Sonora, do Muro (não de Berlim !) do Saara —“olha o caminho da Polisário”, declarara o poeta de Coimbra— do Muro (não de Berlim !) de Belém, de Ramallah, da Cisjordánia toda, do Muro (não de Berlim!) de Ceuta, os Muros Fronteiriços que encadeiam a Humanidade inteira. Por isso é necessário que o poema enuncie aquilo que está oculto, que profetize o balbordo que gerará o silêncio, que afirme a sua verdade e que procure Días para pensar / no tempo novo.

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