Opinión

Tréveris

"A Porta Nigra aparece manchada con pingueiras de sangue galego", escreveu Otero Pedrayo num dos seus livros mais salientáveis: Ensaio histórico sobre a cultura galega. Como diz no mesmo lugar, ocorria-me desde há anos que "sempre que atopamos un libro ou un albume con fotografías da Porta Nigra de Tréveris, non podemos os galegos evitar un movemento de saudade para cos mortos simbólicos": Prisciliano e os seus companheiros mártires.

Mas a semana passada tive a ocasião de viver essa emoção no mesmo lugar; na cidade alemã que chegou a ser chamada "a segunda Roma", pelo esplendor e importância que alcançou como capital do Império no norte. Além da beleza da imponente construção da cidade do Mosela magnificamente conservada, o mais importante para mim foi sentir a presença dos "mortos simbólicos".

Em primeiro lugar, a desse galego egrégio que está nos alicerces da nossa cultura, Prisciliano; e com ele a dos seus companheiros mártires ali decapitados: ao seu lado Felicíssimo, Arménio, Latroniano, Juliano e a viúva aquitana Eucrócia, e pouco depois Aurélio e Asarbo. Prisciliano e os discípulos galaicos Felicíssimo e Arménio seriam anos depois trazidos à nossa Terra pelos seus discípulos, e enterrados, provavelmente, na vila do seu pai senador romano (Aseconia?), na necrópole da família; sobre ela assentar-se-ia séculos depois Compostela, por uma jogada da história.

"Coma sempre, o castigo fracasou –engade Otero–... O humus fértil de Galicia gardou os restos innominados de xeracións creadoras". O priscilianismo estendeu-se por toda a Galiza e inçou nos séculos seguintes. Uma cantiga revolucionária brasileira diz sabiamente: "Que importa perder a vida em luta contra a traição, se a razão mesmo vencida, não deixa de ser razão".

O motivo da minha presença em Tréveris foi um documentário realizado por Aser Álvarez e a sua produtora Arraianos, sobre Prisciliano e o seu caminho de volta à Galiza, da mão de Ramón Chao e o seu romance O camiño de Prisciliano. Por isso, a segunda parada foi em Paris, cidade em que começou a viagem iniciática na Vespa Silvina, com o seu filho Manu Chao.

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