Opinión

Nacionalismo e língua portuguesa

Quando debato com amigos sobre a questão da reintegração ortográfica da variante do português que falamos na Galiza, respondem-me muitas vezes que o que eu quero é unificar politicamente a Galiza e Portugal, como se quisesse subordinar a nação galega à nação portuguesa e não à nação espanhola. Nada poderia estar mais longe das minhas intenções. Compreendo que a nação galega é diferente da nação portuguesa, apesar de falar a mesma língua. Os uruguaios e os hondurenhos ou os alemães e os austríacos, respectivamente, falam as mesmas línguas, mas não se consideram parte da mesma nação, nem pretendem integrar-se, porque há muitos outros factores para além da língua que os separam.

Algo semelhante acontece connosco com os portugueses, há muitos elementos que nos diferenciam e justificam que falemos de duas nações diferentes. O principal, as histórias muito diferentes que os nossos povos desenvolveram e que resultam em memórias diferentes do passado. Não sofremos as mesmas guerras, nem os mesmos reinados, ditaduras ou democracia, nem o nosso imaginário colonial é o mesmo.

Os nossos vizinhos eram um país com colónias, enquanto nós nos assemelhávamos muitas vezes a uma colónia. Também não são os mesmos os traços do nacionalismo banal, o desporto, os Jogos Olímpicos ou as referências culturais populares, como o cinema ou os repertórios de canções da nossa vida. Podemos ainda ter alguns traços comuns de nacionalidade, mas isso não é sentido a nível popular pelos dois povos, que é o que interessa para estes fins. 

O problema é outro, é que o nacionalismo galego actual é essencialmente linguístico e depende quase exclusivamente da língua para elaborar o seu discurso, razão pela qual a defesa da sua língua exclusiva se tornou uma prioridade. Daí a tentativa de separar, até no nome, a nossa língua da portuguesa, porque se a língua é o principal traço definidor, se o que falamos é português, então também devemos ser portugueses enquanto nação. Mas o discurso nacional nem sempre foi assim. A língua foi sempre um elemento importante na definição de uma nação, mas não o único, e muitas vezes nem sequer o principal.

Os primeiros nacionalistas davam muita importância à história e à mitologia, ao ponto de um dos grandes sucessos do movimento, que conseguiu influenciar até hoje os sectores sociais mais urbanos e espanholizados, ter sido o celtismo. Também tiveram uma forte influência no factor religioso, uma fonte de grande sucesso em nações como os irlandeses ou os polacos da época, e que levou à configuração de muitos dos nossos símbolos e até à determinação do dia nacional. Os escritores da geração Nós dedicaram muito tempo a discutir os traços étnicos característicos da Galiza, desde aspectos telúricos como a terra, o mar e as paisagens, a flora e a fauna do território ou aspectos imateriais como o folclore, o vestuário ou a forma de preparar e consumir os alimentos.

Mas o discurso do nacionalismo mudou e hoje prevalece uma visão cívica e republicana do nacionalismo, retirada dos grandes estados nacionais já constituídos e que, embora tenham usado elementos étnicos na sua definição, já não precisam deles. Poderíamos dizer que se trata de uma visão administrativa da nação. Qualquer produção cultural ou social que se realize dentro das fronteiras administrativas da Galiza torna-se imediatamente galega, sem que possamos atribuir a nenhuma delas uma galeguidade especial.  

Quase o único elemento susceptível de discussão é a língua, daí a nossa tendência para o nacionalismo linguístico. Mas, como vimos, esta é uma base fraca para fundamentar um nacionalismo exclusivo, daí a necessidade de começar a pensar em definir quais poderiam ser os traços definidores da nação galega actual.

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