Direito a vivenda

A imprevista convocatória de eleições gerais deixou sem possibilidades de seguir tramitando várias leis em curso, a maioria elas de carácter económico, como a da Autoridade Independente de defensa do cliente financeiro, a Lei de famílias, a Lei de paridade, a de mobilidade sustável, a da função pública, a de indústria assim até dez, leis ou projetos que ficarem condenados ao esquecimento na hipótese de que triunfe uma maioria de direitas, que empregará todos seus esforços na derrogação das leis progressistas e sobre direitos humanos aprovados na atual legislatura (designadamente violência de género, direitos da infância, coletivo trans, aborto, memória histórica, etc.), segundo nos tenham anunciado e como já puserem em pratica nas autonomias em que governam. A Lei da vivenda Afortunadamente, já no limite, conseguiu-se a aprovação da Lei polo direito á vivenda, Lei 12/23, do 24 de maio, que busca homogeneizar a regulação dos aspetos mais essenciais das políticas de vivenda, um direito que aparece recolhido na Constituição espanhola. Esta lei, que é a primeira estatal regulamentadora do direito á vivenda, desde que foi aprovada a Constituição, fica amparada por a UE e sua promulgação foi reiteradamente solicitada polo Conselho de Europa; sua derrogação, como no seu caso o da de Reforma Laboral, daria lugar a multas multimilionárias de Bruxelas. O texto foi muito controvertido por vozes alarmistas que anunciavam um ataque ao direito de propriedade privada, direito igualmente reconhecido constitucionalmente. A lei determina as diversas situações nas que podem encontrar-se os dous atores da relação, proprietário e inquilino ou ocupante, responsabilidades, obrigas, direitos, preços, fiscalidade, etc. Articulada em 5 títulos, 36 artigos, 6 disposições adicionais, 4 transitórias, 1 derrogatória e 9 finais, interessa deter-nos no artigo 1º que define o triplo objetivo da lei: 1. A regulação das condições básicas que garantam a igualdade no exercício dos direitos e deveres constitucionais relacionados com a vivenda (direito a uma vivenda digna e adequada e seu desfrute em condições aceitáveis). 2. Regulamentar o contido básico do direito de propriedade sobre a vivenda com o cumprimento de sua função social. E 3. Proteger o aceso à informação das operações de compra e arrendamento da vivenda. Podemos considerá-la uma lei tuitiva, mas em forma alguma limitativa do direito de propriedade, direito que já não é o absoluto do Direito Romano senão na sua relação com a função social. Podemos dizer que destes princípios nasce toda a análise que se poda fazer do que se pretende com esta lei que destaca a função social da propriedade e que nos artigos seguintes contempla situações concretas ou singulares. Entre elas o limite ao preço do aluguer ao que os arrendadores poderão atualizar a renda a seus inquilinos, com um tope anual até o 2024 e um índice desvinculado do IPC que só afetará as zonas tensionadas, tanto a grandes como pequenos proprietários que dependerão da modalidade de contrato e tipo de propriedade. A este efeito consideram-se grandes proprietários as pessoas físicas ou jurídicas com mais de 10 vivendas em propriedade ou de uma superfície construída de mais de 1.500 metros quadrados ou cinco vivendas de uso residencial na mesma zona tensionada. Zona tensionada considera-se a que cumpre as condições de que o esforço financeiro supere o 30% da renda média ou que os preços aumentaram ao menos três pontos acima do IPC. Outras garantias A lei recolhe medidas de proteção ao inquilino como a prórroga forçosa de até três anos para situações de vulnerabilidade Medidas de proteção ao inquilino como a possibilidade de prórroga forçosa de até três anos para situações de vulnerabilidade económica ou social ou o traslado dos gastos de gestão imobiliária ao arrendador, melhoras no procedimento de despejo de vivenda habitual em situações de vulnerabilidade e soluções habitacionais para o desamparo que pode produzir o despejo, que deverá ser comunicado com assinalamento de hora e dia, mais garantias na compra ou aluguer de vivendas e mais informação básica da operação e das políticas públicas de vivenda. Intervenção no mercado imobiliário tanto na declaração de zonas de mercado residencial tensionado como reduções no IRPF para estímulo dos arrendadores e também recargas no IBI para aquelas vivendas desocupadas por mais de dous anos. Ainda com as competências que conservam as comunidades autónomas em matéria de vivenda, aprovasse por primeira vez a nível estatal um marco jurídico de direitos e deveres relativos à propriedade privada da vivenda, de carácter geral e que delimita sua função social de acordo com o mandato constitucional. Entrou em vigor o 23 de maio passado; aguardaremos seu desenrolo e posta em pratica.