Opinión

As 'variantes áureas' do léxico galego

Um doutorando galego do campo da zoologia quer redigir em galego a sua tese doutoral sobre a família Coccinelídeos dos Coleópteros

Um doutorando galego do campo da zoologia quer redigir em galego a sua tese doutoral sobre a família Coccinelídeos dos Coleópteros, um grupo de escaravelhos muito populares na Europa polas cores chamativas dos seus élitros e polo facto de serem beneficiosos para a agricultura, ao alimentarem-se dos daninhos pulgons. Se este investigador galego fosse escrever a tese em castelhano, nom duvidaria a respeito da denominaçom vernácula que no seu texto utilizaria para se referir aos coccinelídeos, isto é, mariquita, já que essa é a voz que fai parte do padrom lexical do castelhano de Espanha, a voz socialmente consagrada na Espanha como supradialetal, selecionada para os usos formais de entre um amplo conjunto de variantes geográficas e sobreposta para tais usos formais às outras variantes geográficas, ditas dialetais ou regionais (como, por exemplo, a variante vaca de San Antón). Ora, como o nosso doutorando deseja compor a sua monografia em galego, que denominaçom vernácula galega utilizará em referência aos coccinelídeos? Infelizmente, a resposta a este género de perguntas é hoje, ainda, problemática na nossa sociedade, e por duas causas principais: em primeiro lugar, pola multissecular falta na Galiza de umha tradiçom culta ou de um centro irradiador que ordenasse os usos lexicais e lingüísticos autóctones, e, em segundo lugar, pola freqüente inibiçom ou intervençom despropositada que a Real Academia Galega hoje mostra frente ao fenómeno de degradaçom lexical da variaçom geográfica sem padronizaçom.
    
Com efeito, tenhamos em conta que no galego contemporáneo, para a designaçom de centos de conceitos (conhecidos antes do séc. XVI), nom se regista na fala espontánea umha única denominaçom autóctone, mas duas, várias ou muitas, perfeitamente sinónimas entre si, que se distribuem de modo disjunto pola geografia galega constituindo variantes geográficas. Às vezes estas variantes geográficas provenhem de étimos diferentes, como é o caso de fiestra ~ janela ~ (*)ventá  (ou de bieiteiro    ~ sabugueiro e carniça ~ preia), e, noutras ocasions, elas surgem por desagregaçom a partir de um étimo comum, como acontece com fechar ~ pechar (ou com cerdeira ~ cereijeira, fiuncho ~ fionlho, geonlho ~ joelho ~ jolho). O intervalo de dispersom oscila entre duas variantes (como eixe ~ eixo, gemelgo ~ gémeo) e várias dezenas, como os casos constituídos pola designaçom vernácula da planta Digitalis purpurea (croque ~ dedaleira ~ estalote ~ estraloque ~ sam-joám ...) ou dos escaravelhos da família Coccinelídeos (avelairinha ~ barrosinha ~ joaninha ~ marujinha ~ papa-sol ~ rei-rei ...), casos que atingem um número próximo das 80 variantes geográficas (!). Além disso, a variaçom geográfica do léxico nom se restringe ao significante das palavras, como também afeta, nalguns casos, o género gramatical (assim, conforme as regions da Galiza, calor pode ser usado em masculino [o calor] ou em feminino [a calor]) e, mesmo, o significado, de modo que umha dada palavra ou significante pode apresentar valores semánticos diferentes conforme as diversas regions da Galiza (assim, cotovelo significa, nalgumhas comarcas, ‘articulaçom braço-antebraço’, e noutras, ‘nó dos dedos’).

A voz galega joaninha é a variante galega de maior peso demográfico (no seio da nossa língua), verdadeira variante áurea do léxico galego, reconhecida e usada por mais de douscentos milhons de pessoas 

Entom, qual das muitas denominaçons vernáculas galegas deverá selecionar o nosso investigador para designar os coccinelídeos? Porque, em benefício da economia e da eficácia comunicativas, é evidente que nom convirá que utilize no seu texto várias ou todas as disponíveis no galego contemporáneo, nem que selecione ao acaso qualquer umha delas, por mais que seja a da sua comarca ou regiom (expediente com resultado variável conforme a proveniência do autor textual!). Na realidade, a soluçom deste problema e a superaçom, em geral, da atual variaçom geográfica sem padronizaçom do léxico galego é muito fácil e pode ser realizada, em larga medida, autonomamente por cada utente culto de galego de umha forma natural, económica e extremamente vantajosa para a sociedade galega: trata-se, simplesmente, de selecionar como forma supradialetal para os usos formais, em cada caso de variaçom geográfica, aquela variante galega de maior peso demográfico (ecuménico), ou seja, aquela variante galega que já foi selecionada como supradialetal nas variedades lusitana e brasileira da nossa língua, ou a variante geográfica galega equivalente (mais próxima) da voz supradialetal luso-brasileira. Deste modo, o nosso investigador galego, e todos os livros e documentários galegos de cariz divulgador, didático e científico, bem como todos os textos literários de vocaçom nom dialetal, utilizarám para denotarem os coccinelídeos a voz galega joaninha, que, de longe, é a variante galega de maior peso demográfico (no seio da nossa língua), verdadeira variante áurea do léxico galego, reconhecida e usada por mais de douscentos milhons de pessoas em todo o mundo. Assim, em referência ao resto dos nossos exemplos, identificamos como variantes galegas supradialetais, em coincidência plena com os elementos que fam parte dos padrons lexicais lusitano e brasileiro, carniça, dedaleira, eixo, fechar, gémeo, janela, joelho, sabugueiro, o calor e cotovelo ‘articulaçom braço-antebraço’, e, na qualidade de formas equivalentes, muito próximas das supradialetais luso-brasileiras, cereijeira e fiuncho (Pt.+Br. cerejeira, funcho).1.

O que está a fazer a RAG com a variaçom geográfica do léxico galego? Infelizmente, o seu comportamento a esse respeito deve ser conceituado, em geral, como de inibiçom e de intervençom despropositada. Assim, por um lado, na maioria dos casos de dispersom designativa, o seu dicionário desiste de indicar qual seja o correspondente elemento lexical supradialetal (por exemplo, atribui a mesma categoria normativa a fiestra, janela e ventá, bieiteiro e sabugueiro e aos dous significados de cotovelo; para designar Digitalis purpurea e os coccinelídeos propom, em cada caso, oito variantes de igual categoria!); por outro lado, quando efetivamente resolve priorizar algumha das variantes, a RAG freqüentemente seleciona umha nom coincidente com a forma supradialetal luso-brasileira (p. ex., cerdeira [e nom cereijeira], gemelgo [e nom gémeo], geonlho [e nom joelho], pechar [e nom fechar], preia [e nom carniça], a calor [e nom o calor]).

O que está a fazer a RAG com a variaçom geográfica do léxico galego? Infelizmente, o seu comportamento a esse respeito deve ser conceituado, em geral, como de inibiçom e de intervençom despropositada

Nom sei se os amáveis leitores estám a tomar consciência na sua justa medida do enorme valor que para nós, galegos, e com independência de qual for a nossa língua materna ou habitual, tem a coordenaçom lexical galego-portuguesa aqui defendida, e da descomunal riqueza que a RAG, com a sua descoordenaçom lexical galego-portuguesa, nos está a furtar. Dous apontamentos. Por exemplo, declararmos supradialetal na Galiza a variante galega joelho (e nom geonlho!) implica pormo-nos em sintonia comunicativa com um coletivo humano que potencialmente atinge os 200 milhons de pessoas, e isso significa, entre outras muitas cousas boas, favorecer na Galiza, na língua autóctone, a receçom de 2.590.000 documentos internéticos que utilizam tal palavra (frente a só 79.000 que contenhem xeonllo, segundo o Google!), e a de umha multidom de produtos culturais, científicos, artísticos e recreativos que fam uso de joelho (mas nom de geonlho ou xeonllo!) para se referirem à articulaçom da coxa com a perna, como cançons, filmes, obras literárias, enciclopédias, peças jornalísticas, artigos divulgadores, documentários, dicionários bilingues de francês, inglês e alemám (em correspondência, respetivamente, com genou, knee e knie)... e até tratados de cirurgia plástica e reparadora! Perante isto, que importáncia poderá ter que a variante geonlho tenha sido mais utilizada que joelho na (magra) tradiçom literária galega, ou que, eventualmente, o número de falantes primários de galego que na Galiza atual utilizam geonlho supere em cem, ou em mil, indivíduos o de falantes primários que utilizam joelho, quando hoje, infelizmente, para umha grande maioria dos galegos, mesmo para os galecófonos, o ponto de partida outro nom é senom rodilla?

NOTA

1. Só num número reduzidíssimo de casos, tal estratégia nom se poderá aplicar, por a variante galega idêntica ou equivalente à luso-brasileira supradialetal ser entre nós marginal em relaçom a outra variante legítima de grande vigor (ex.: Gz. fame [~ fome] / Pt.+Br. fome; Gz. nécora [~ lavanheira] / Pt. navalheira), ou por nom ocorrer na Galiza o elemento supradialetal luso-brasileiro (ex.: Gz. enquerquenar-se / Pt.+Br. acocorar-se). Pode ver-se a casuística completa do tratamento racional da variaçom geográfica do léxico galego em O Modelo Lexical Galego, da Comissom Lingüística da AGAL (2012).

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