Opinión

Um sistema lexical escandalosamente incoerente

Um outro traço essencial da resposta da RAG-ILG frente à suplência castelhanizante que se regista no léxico galego desde o século XVI.

Um outro traço essencial da resposta da RAG-ILG frente à estagnaçom neológica e frente à suplência castelhanizante que se registam no léxico galego desde o século XVI (v. duas peças anteriores) é a escandalosa incoerência que aquela valida no sistema lexical galego. Por coerência de um sistema lexical entendemos a essencial uniformidade que ele mostra, a natureza largamente côngrua ou harmónica dos seus constituintes.

No atual galego espontáneo, tal coerência lexical nom existe, porque, se, por um lado, e fazendo abstraçom dos castelhanismos substitutórios (como *silla por cadeira), todas as unidades lexicais que nele surgírom antes do séc. XVI som galego-portuguesas (autóctones, genuínas), como cadeira, chumbo, golfinho, onte, queijo e vassoira, por outro, praticamente todas as unidades lexicais a ele incorporadas com posterioridade ao séc. XV som castelhanas (foráneas, ilegítimas), como bocadillo, bolígrafo, brote (epidémico), cepillo, hidrógeno, misione(i)ro, ordenador, peluquería e vacuna.

Ora, também no modelo lexical, pretensamente culto, patrocinado polo oficialismo, a falta de coerência constitutiva é berrante, porque, como vimos, na esmagadora maioria dos casos de estagnaçom neológica, a RAG-ILG opta por inventar caprichosamente umha soluçom (ex.: gromo (epidémico), salón de peiteado) ou, sobretodo, por legitimar no seu padrom os castelhanismos suplentes (ex.: bocadillo, bolígrafo, cepillo, hidróxeno, misioneiro, ordenador), em detrimento da coordenaçom com o luso-brasileiro, a única estratégia neológica que restitui ao nosso léxico a sua coerência, de modo que, se o léxico galego basilar legítimo é galego-português e nom castelhano, também seja galego-português, e nom castelhano, o léxico galego pós-medieval regenerado. Consideremos, a seguir, um caso ilustrativo.

O conhecimento da diversidade de elementos químicos, ou blocos estruturais da matéria, foi alargando-se paulatinamente, desde aqueles elementos já utilizados pola humanidade pré-histórica, como o ferro e o cobre, até aos de obtençom mais recente, sintetizados no laboratório mediante reaçons nucleares. Por causa dessa dimensom cronológica, a designaçom na língua espontánea hodierna dos elementos químicos testemunha, sob a forma de berrante incoerência, a história clínica do galego.

Assim, enquanto todos os (oito) elementos químicos conhecidos na Europa antes do início do séc. XVI apresentam no galego espontáneo, fazendo abstraçom da incidência da variaçom geográfica e da substituiçom castelhanizante, umha denominaçom coincidente com a do luso-brasileiro —chumbo [Pb], cobre [Cu], enxofre [S] (~ a(r)xofre ~ xofre), estanho [Sn], ferro [Fe], mercúrio [Hg] (+ †azougue), ouro (Au), prata (Ag)—, já a designaçom de todos os outros elementos, conhecidos só após o início do séc. XVI, se verifica entre nós com os correspondentes vocábulos suplentes castelhanos (ex.: *arsénico [As], *oxígeno ou *osíxeno [O], *platino [Pt]). E o triste é que a RAG-ILG, na designaçom neológica de muitos elementos químicos, aceita tal suplência castelhanizante, transplantando em larga medida ao seu modelo lexical a crassa incoerência da fala espontánea!

Ora bem, se galegos, portugueses e brasileiros (c. 250 milhons de pessoas), coincidimos em chamar chumbo ao chumbo, ouro ao ouro e prata à prata, que sentido fai nom coincidirmos também na designaçom do arsénio, do oxigénio e da platina?! Que sentido fai que, num enunciado como "Para respirarem oxigénio, as minhocas e algum(h)as lesmas sobem à superfície da terra quando chove muito", que é comum a todos os utentes de galego-português, a RAG-ILG se obceque em introduzir o distorcedor neologismo castelhano *osíxeno?!

Neste ponto é preciso advertirmos que tal incoerência do léxico oficialista nom representa (apenas) a negaçom de um "ideal estético", de umha "simetria constitutiva", já que ela, fundamentalmente, acarreta para o nosso idioma, como o exemplo aduzido indicia, um enorme prejuízo em termos de economia comunicativa e de vantagem sociolingüística.
Em conclusom, se galegos, portugueses e brasileiros coincidimos em chamar chumbo ao chumbo, digamos também em galego oxigénio (= oxixenio)! Se todos coincidimos em dizer miolos, digamos também em galego cérebro! Se, enfim, coincidimos em chamar queijo ao queijo, coincidamos também em dizer sand(uích)e de queijo (em vez de *bocadillo)! Por coerência, para preciosa utilidade do nosso galego!

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