Opinión

A namorada do rato Mickey e a insuficiência do galego oficialista

Cara leitora, caro leitor, responda às duas perguntas seguintes: se o Donald é um pato, o que é a sua namorada, a Daisy (também chamada Margarida)?; se o Mickey é um rato, o que é a sua simpática namorada, a Minnie? Estou certo de que, após ter respondido com segurança umha pata à primeira pergunta, se você for galega/o (ainda) nom reintegracionista, terá ficado perplexa/o ao tentar responder à segunda questom, provavelmente tendo ponderado a soluçom natural umha rata (ou ratinha), para, depois, a descartar, ao reparar em que rata é o nome que habitualmente os galegos dam, tanto em galego como em castelhano, aos roedores murídeos de grande tamanho (do género Rattus) que vivem nas cidades como comensais do ser humano. A essa perplexidade, entom, só poderá ter seguido, no melhor dos casos, umha resposta «analítica», «de registo técnico», como umha fêmea de rato ou um rato-fêmea, resposta que, neste contexto, nom é senom um pobre remendo destinado a tapar um furado.

Trata-se de um furado, de umha lamentável lacuna lexical, porque o normal é que o nosso idioma disponha de umha palavra patrimonial e popular para designar um rato-fêmea, como acontece, para já, em castelhano (ratón [Mickey] + ratona ou ratoncita [Minnie] / rata [de alcantarilla]) e em lusitano (rato [Mickey] + rata ou ratinha [Minnie] / ratazana [de esgoto]). E esta nom é umha deficiência lexical desprezável, porque, além da personagem de Disney, e da personagem dos contos infantis que em Portugal se denomina mamã(e)-rata, umha designaçom sintética em galego do rato-fêmea se revela útil mesmo em textos científicos, como testemunha a eventual traduçom do seguinte trecho da Scientific American (8/2020: 58): «Pregnant mice given SSRIs have babies with shorter, narrower snouts». Pregnant mice: «ratos prenhes»?, «ratos-fêmeas prenhes»?, «fêmeas prenhes de rato»?, complicado!

A indisponibilidade de umha soluçom sintética e popular para designar ‘rato-fêmea’ no galego socializado polo oficialismo é, de facto, um verdadeiro escándalo. A origem última desta lacuna expressiva é o fenómeno degradativo da estagnaçom pós-medieval, que, desde o séc. XVI, determina umha incapacidade do galego para criar novos elementos lexicais: desde as origens da nossa língua, os murídeos em geral, e em particular os de pequeno tamanho, designam-se por ratos e, de forma natural, as suas fêmeas por ratas; só com a chegada à Europa, relativamente recente, do invasivo murídeo da espécie Rattus norvegicus (a ratazana-castanha) é que em lusitano, variedade normalizada do galego-português, mas nom em galego, foi habilitado, no séc. XIX, o neologismo ratazana, para se distinguirem as espécies do género Rattus dos murídeos mais pequenos, tipicamente do género Mus, os ratos e ratas propriamente ditos. Além disso, a suplência castelhanizante tem feito com que, no galego espontáneo contemporáneo, perante a necessidade de designar diferencialmente o género Rattus, se tenha recorrido à soluçom castelhana rata, subtraindo a este vocábulo o seu significado natural e tradicional de ‘rato-fêmea’, que assim ficou sem denominaçom própria.

Por outro lado, se hoje a esmagadora maioria dos galegos cultos nom sabe como se di em galego, em expressom sintética e patrimonial, ‘rato-fêmea’, e se eles, para se referirem aos roedores do género Rattus, utilizam a palavra castelhana rata, incoerente no nosso idioma (tanto como utilizar gata para designar um lince, ou loba para designar um cam!), tal fica a dever-se, também, ao incompetente tratamento que o oficialismo lingüístico dá a esse vocábulo: o dicionário da RAG nom atribui a rata o valor tradicional e genuíno de ‘rato-fêmea’, que nessa obra fica sem designaçom, e, em vez de pôr em prática o princípio codificador 4.º declarado nas NOMIG, que pede coordenaçom neológica com o português, esse dicionário adjudica a rata o castelhanizante significado de ‘roedor do género Rattus’.

Na realidade, a nossa ineptidom para nomear a ratinha Minnie revela-se ponta de icebergue da escandalosa insuficiência expressiva própria do galego castelhanista, cuja hegemonia só se deve à efetiva falta de uso e funcionalidade social que continua a afligir o nosso idioma e à escandalosa indiferença que o poder político tem mostrado perante o seu acelerado esmorecimento.

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