Opinión

Coda: lesiva ideologia e incompetência técnica

Como vimos nas entregas anteriores, duas som as principais eivas de que enferma o tratamento oficialista da variaçom geográfica do léxico galego: por um lado, ele parte de um pressuposto ideológico —«o galego deve ser codificado, custe o que custar, como língua diferente do português (e nom como variedade nacional do galego-português)»— que dificulta notavelmente a superaçom da dispersom designativa da fala espontánea, e que, em qualquer caso, torna a padronizaçom extremamente antieconómica, ao nom aproveitar a enorme potenciaçom comunicativa e a grande vantagem sociolingüística associadas à coordenaçom lexical galego-portuguesa; por outro lado, os agentes codificadores oficialistas (RAG = ILG), com as suas inúmeras inibiçons e intervençons despropositadas, parecem ignorar o que é o léxico-padrom de umha língua de cultura. Neste sentido, às categorias já descritas nas três peças anteriores, aqui acrescentamos mais um caso, bem indicativo da incompetência técnica desses codificadores.

Numha língua de cultura, a produtividade neológica fica restringida em geral àquelas variantes geográficas que detenhem a categoria de supradialetais, o que quer dizer que só as variantes preferentes, objeto de padronizaçom, surgem integradas em unidades terminológicas ou fraseológicas cultas. Como o dicionário da RAG, conforme já vimos, mostra constantes inibiçons na seleçom, em cada caso de variaçom, de umha única forma supradialetal, no seu lugar propondo, freqüentemente, duas, várias ou muitas formas supradialetais, mesmo copreferentes, ele mete-se num verdadeiro sarilho. Assim, p. ex., a RAG, ao propor como supradialetais e copreferentes as variantes fiestra, janela e *ventá, tem de triplicar os elencos terminológicos que incorporam a correspondente noçom! O próprio DRAG já triplica a designaçom isolacionista do conceito informático referido em inglês como window, e imagine, entom, que existisse no galego oficialista umha obra como o Dicionário Visual da Verbo: os seus 24 lemas que começam polo vocábulo janela (janela de guilhotina, etc.) ficariam convertidos em 72!

Todavia, mais interessantes se revelam os desvios que o DRAG mostra a respeito dessa lógica. Assim, esse dicionário, apesar de declarar preferente a forma cume sobre cúmio, com o sentido metafórico e moderno de ‘reuniom política de alto nível’ (conceito que, de harmonia com a variedade lusitana da nossa língua, devemos designar cimeira), propom tanto cúmio como cume, incoerência (por excesso) talvez devida a que, com visom castelhana, o género masculino da palavra sob a forma cúmio fica mais «relaxado». De modo incoerente, mas por defeito, também procede o DRAG para designar o ossículo do ouvido médio que apresenta o aspeto de umha bigorna, o bloco de aço sobre o qual se bate o metal. Deixando de parte que usa a variante bigórnia, e nom bigorna, esse dicionário acerta ao selecionar aqui como termo anatómico unicamente a forma comum com o luso-brasileiro. Problemas: a) o DRAG propom, no sentido aduzido, nada menos que quatro formas supradialetais e copreferentes: bigorn(i)a, engra, incre e zafra (!); b) ele atribui ao termo bigorn(i)a, indevida e exclusivamente, o sentido restrito de ‘bigorna de duas pontas’, quando devia tê-lo proposto como única forma supradialetal designativa da ferramenta metalúrgica sem restriçom conceptual: cf. estar entre a bigorna e o martelo; c) o ossículo bigorna parece-se com umha bigorna, mas nom com umha de duas pontas!; d) no artigo dedicado ao ossículo auditivo martelo, já nom surge bigorn(i)a, mas zafra!

Aberrantemente, para designar umha emanaçom incandescente, o DRAG regista, em contra da tradiçom culta galega, a variante lapa como forma supradialetal e preferente, junto com a galego-portuguesa chama. Crassa incoerência é, entom, que o DRAG registe lança-chamas, mas nom (felizmente) *lança-lapas! Em qualquer caso, para corar de vergonha é o comportamento da Rádio Galega e da TVG, que usam o termo lança-chamas, quando, ao mesmo tempo, tenhem vetada a variante áurea chama e só utilizam lapa! Também, enfim, de forma incongruente, para designar um surto epidémico, o oficialismo, mediante neologia de significado castelhanista, propujo apenas gromo, e nom gomo, quando o DRAG declara copreferentes as duas variantes.

Nom admira: inconstáncia, arbitrariedade e capricho som apanágio do aprendiz de feiticeiro oficialista!

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