Opinión

Resistência é nome de mulher

Acordo umha manhã mais. Almorço na cama mentres a gata Mila e eu apanhamos as últimas radiaçons de calor entre as mantas. Pôr o calefactor era um luxo de quando vivíamos por riba das nossas possibilidades. Dou umha ducha e deixo que a auga quente penetre nos meus ossos e que se preparem para transitar ao mundo exterior. No portal encontro com um estudante que leva uma camisola de umha organizaçom juvenil qualquer com as facianas de Marx, Lenin e Engels impressas. Partilhamos cumprimentos como boas companheiras de espécie.

Acordo umha manhã mais. Almorço na cama mentres a gata Mila e eu apanhamos as últimas radiaçons de calor entre as mantas. Pôr o calefactor era um luxo de quando vivíamos por riba das nossas possibilidades. Dou umha ducha e deixo que a auga quente penetre nos meus ossos e que se preparem para transitar ao mundo exterior. No portal encontro com um estudante que leva uma camisola de umha organizaçom juvenil qualquer com as facianas de Marx, Lenin e Engels impressas. Partilhamos cumprimentos como boas companheiras de espécie.

"Na rádio dizem que morreu outra mulher. Nom morremos; matam-nos. E ninguém diz nada".

Na porta dum ultramarinos luze o cartaz da Xunta polo 25N. “Se a maltratas a ela. Maltrátasme a min.” afirma o lema com a cara de um tipo que disque é famoso. O problema é que se a maltratas a ela, segues a maltratá-la a ela, nom a Javier Gómez Noya. As violências som múltiples e poliédricas, os corpos das mulheres sempre os mesmos.

Chego ao carro, porque alguém decidiu que neste país nom é necessário ter transporte público. Como nos últimos três anos conduzo até o Hospital do Barbança para desenvolver um trabalho precário porque outra pessoa qualquer decidiu que ter um emprego digno neste país nom é imprescindível.

Percorro a estrada de memória. Na rádio dizem que morreu outra mulher. Nom morremos; matam-nos. E ninguém diz nada. Chego até a ponte da zona de Rianjo. A maré está baixa e há dúzias de mulheres sachando na ria. As labregas do mar. Mariscadoras sem ainda reconhecimento laboral pleno para elas. Mais duas cançons de amor romântico pola rádio e já me encontro no meu posto laboral preparada para ver pacientes.

María tem oitenta e pico anos, calceta rítmicamente esperando a que se lhe soldem as costelas. Nom gosta do peixe, trabalhou toda a vida salgando bacalhau e para o tempo que lhe fica nom quer mais peixe entre as maus. María é das que quando falam sentência com a segurança de quem sabe que já viveu o necessário. Convida-me a sua casa de Aguinho porque ricas nom som mas comida nom há faltar. Vive com a sua irmã, as duas solteiras. Entre elas tecem jerseis e pontes de cuidado indestrutíveis.

Na seguinte habitaçom Guillermina vai com passos temblorosos levar auga ao seu marido, gravemente enfermo. Pasinho a pasinho, com a ajuda do seu bastom realiza os melhores cuidados paliativos existentes na faz da terra. Os filhos, já sabeis, tenhem-che as suas vidas.

Jéssica está contenta, teve um aborto espontâneo. Já nom terá que fazer números para poder abortar voluntariamente. É-che pouco falangueira, preme nos botons do móvel compulsivamente.

"Cristina, a doente, tem mais probabilidades de ser agredida pola sua parelha que de calquer complicaçom derivada da gravidez, parto ou puerpério". 

A Celia realizarom-lhe uma colicistectomia. Trabalha na fábrica de conservas e está preocupada por mor de nom poder estar no seu posto de trabalho mas justifica-se de que foi o único permisso que tivo em vintecinco anos. Queixa-se de que o que lhe acontece seguro que foi por comer tantos mexilhons com chile que exportam a México. 

Eloísa acompanha o seu filho, drogodependente no passado. As drogas vinham com cada maré aos portos do Barbança. Saiu à rua contra os narcos e mais recentemente voltou a ela para defender o serviço de diálise deste hospital com a ameaça constante da privatizaçom acima. Venceu mais umha vez. O seu marido, polo de agora, só tem que se preocupar por encontrar transplante compatível.

Matilde e Isolina nom se conheciam ainda que as duas cuidavam do seu familiar com demência. Estavam soterradas no ponto cego das suas casas. Agora partilham habitaçom de hospital e trucos para evitarem os quadros de desorientaçom de cadanseus pais.

A ginecóloga chama por telefone. Está preocupada polo quadro de preeclampsia que sofre umha paciente. Cristina, a doente, tem mais probabilidades de ser agredida pola sua parelha que de calquer complicaçom derivada da gravidez, parto ou puerpério. Ainda assim nom há nenhum protocolo de cuidados nen nenhum diagnóstico de enfermaria que o contemple.

Dou as últimas recomendaçons a Iolanda sobre lactância materna, ainda que ao mês se verá interrumpida. É autónoma e nom pode permitir-se estar mais tempo de baixa maternal. Alguém, antes de marchar do hospital,  porá-lhe os brincos a Noa, cicais para lhe lembrar que o seu corpo é a explanada onde se luitaram todas as batalhas.

Vai rematando a jornada e ainda nom vim ningumha camisola de Kollontai ou Flora Tristán. De caminho a casa a maré está alta e borrou todo o trabalho realizado pelas mariscadoras. 

Nom somos vítimas; somos a resistência invencível da violência extrema da vida diária.

(Os feitos tratados estam baseados em feitos reais, porem os datos forom modificados para resguardar a confidencialidade e o segredo profissional)

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