Opinión

Construir cidades, pensamento catedral ou de curto-prazo

Segundo o filósofo Roman Krznaric o pensamento catedral é uma capacidade para conceber e planificar sobre o território com um horizonte de tempo amplo.

Temos em Lugo a mais antiga catedral de Galiza que ainda está com bispado. A primeira era do século VIII e, sobre ela construiu-se a atual no 1129. A pesar deste exemplo Lugo é uma cidade que se caracteriza polo pouco aprecio que seus cidadãos lhe têm ao património comum. Qualquer que veja fotos antigas pode admirar monumentos e lugares de convívio que a dia de hoje são motivo de inveja. Isto aconteceu noutras cidades da Galiza e de Espanha como consequência dum urbanismo entregado a especulação e ao lucro a curto prazo. Vilas formosas como Pontevedra foram destruídas nos anos 70 e 80 vitimas da fascinação por prédios altos e o negócio da construção (que atualmente está sendo corrigido). Num período em que se decretou que todo terreno era um solar em potencia também o ambiente sofreu desse “construir a toda costa” que chegou ao paroxismo com o governo de Aznar. Construía-se em Espanha mais que em toda Europa junta. Em Lugo, por cada vivenda ocupada há três valeiras.

Do ponto de vista ecológico, as cidades são as grandes estragadoras do ambiente. Consumem uma grande quantidade de energia (esbanjam-na) produzem muitos refugalhos que não podem metabolizar e contaminam o ar desde diferentes focos poluentes. Cada vez mais desprovidas de árvores e zonas verdes atuam como verdadeiros agentes de cambio climático. As cidades têm que mudar a sua filosofia e projetar-se como se fizeram as catedrais. Pensando no futuro com projetos planificados com um horizonte amplo. Reduzindo sua pegada de carbono. Como por exemplo o parque de Lugo, inaugurado em 1925 ocupa mais de 23 hectares de zonas verdes e de lazer. Previsto como uma projeção sobre o rio Minho e orientado ao solpor. Contrasta com o terrível esqueleto do prédio do Garanhão que lhe tolhe as vistas do vale e do contorno construído sem qualquer respeito pola cultura, pola paisagem ou pola história. Sem mentalidade de catedral.

As nossas cidades acolhem o 70% da povoação e são o fruto do despovoamento do rural numa política de curto prazo que sempre vai unida a corrupção. O negócio está em requalificar terrenos e fazer prédios, vias e obras. A construção é um fator acelerante do câmbio climático polo consumo de cimento e substituir-se superfícies verdes fotos sintetizadoras por outras cimentadas, que refletem a luz solar incrementando a temperatura. Neste pensamento catedral tem uma grande importância a conservação e cuidado das vias de água. Lugo é uma cidade que tem inúmeras nascentes quer no casco urbano quer nas redondezas. Mas uma prática indesejável foi tapar todas as fontes da cidade e canalizar os regos e regatos. Noutras como Pontevedra esta olhada de atenção às águas está revertendo a nefasta canalização dos múltiplos regatos que a banhavam feita nos anos do urbanismo destrutor. As águas devem estar livres e sãs. Em previsão de crescidas e porque sustentam uma grande diversidade de vida à que lhe devemos respeito. As águas são um tesouro, um direito e um dom intocável de bem-estar para a humanidade. Em matéria de mobilidade o pensamento catedral deveria encaminhar-se para uma boa comunicação inter-citi por coletivos como o caminho de ferro que em Lugo está abandonado. Somos uma cidade do Eixo Atlântico, mas desde Lugo é impensável poder viajar a Portugal por trem, já nem sequer a Compostela. O transporte representa o 40% das emissões de carbono.

O movimento das pessoas intra-citi é fundamental para o bem-estar e para a mitigação da pegada de Carbono. As cidades galegas deveram ser caminháveis. Uma cidade para as pessoas e não para os carros como estava sendo até agora. No modelo de pensamento catedral é importante um urbanismo amável que cuide das crianças e da vizinhança em geral pensando em futuro. Seremos nós bons antepassados? A empatia tem de ser não só sincrónica (com nossas contemporâneas), mas também diacrónica (com as descendentes). O modelo de cidades que deixemos terá muito a ver com a nossa solidariedade intergeneracional: “Se quisermos ser bons antepassados deveríamos mostrar às gerações futuras como nos defrontamos a uma era de mudanças e grandes crises” (Jonas Salk, exemplo de bom antepassado, que descobriu a vacina da poliomielite e nunca quis patenteá-la).

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