Poder judicial ilegítimo?

A oposição das direitas vem tildando de ilegítimos os poderes legislativo e executivo que conformam os governos do Estado espanhol posteriores ao de Mariano Rajoy, é dizer, posteriores à perda do poder polo PP na moção de censura. Penso que é um modo perigoso de atuar em democracia para desqualificar ao contrincante político se se está faltando à verdade. Em democracia governam as maiorias, sejam conseguidas por um partido com maioria absoluta ou pola coligação de vários partidos que conjuntamente obtenham essa maioria. No caso do governo do PSOE sua legitimidade resultava inquestionável, nascida de haver ganhado a moção de censura por maioria de votos no Congresso, assumindo o PP o resultado previsto e obtido. A tramitação e resultado seguiu a pauta estabelecida no artigo 113 da Constituição e nos artigos 175 a 179 do Regulamento do Congresso: proposta pola 10ª parte dos seus membros, inclusão de um candidato a presidente de Governo, obter a maioria absoluta para sua aprovação e, neste caso, cesse do presidente de Governo, investidura do novo candidato se obtém a maioria simples da Câmara e formação do novo governo; com todos estes requisitos (e mais, pois o presidente proposto obtive maioria absoluta e não houve proposta alternativa) Pedro Sánchez saiu investido presidente e formou novo governo. A legitimidade foi total e nega-la é enganar a cidadania e atacar a democracia. O único poder do Estado que se acha fora de jogo, com seu mandato finalizado há mais de cinco anos, é o poder judicial Mas a oposição insiste e quando nas eleições de novembro do 2019 o PSOE é o partido mais votado (já o fora nas de abril), mas sem maioria absoluta, necessitou, e conseguiu, uma maioria parlamentar nunca vista desde o fim do bipartidismo para governar em aliança com outro partido parlamentário; perfeitamente constitucional e habitual em toda democracia. Novamente os partidos da direita alcunharam o governo de ilegítimo e converteram a XIV legislatura na mais bronca e de uma crispação sem precedentes da democracia, sobrepassando os limites do decoro parlamentário com insultos e bloqueio das instituições e acusações de ilegítimo e imoral, que receberam o rejeitamento do resto da Câmara. Fora de jogo Nas eleições do 2023, ainda sendo o mais votado, o PP foi incapaz de formar governo e de acordo com as normas constitucionais, o PSOE, segundo mais votado, conseguiu para seu governo, em aliança com Sumar, a aprovação maioritária do resto da Câmara. De novo as direitas tacham de fraudulenta e ilegítima a investidura de Pedro Sánchez e reiteram-se os insultos e deslegitimação do poder legislativo e executivo, que tildam de "ocupa". Estamos padecendo uma legislatura ainda mais bronca e estamos cometendo um grave atentado contra a Democracia ao animar a desqualificação popular dos poderes do Estado elegidos democraticamente Se resulta perigoso que o partido maioritário da oposição e seus adlateres lancem infundios incendiários sobre a inexistente ilegitimidade do governo, muito mais perigoso é que um dos três poderes, o judicial denuncie ante a UE a suposta ilegitimidade dos acordos tomados polo PSOE e os soberanistas ERC e Junts para a formação de novo Governo, do poder executivo, como "graves episódios de ataque ao Estado de Direito". Naturalmente o ataque será por parte do poder judicial ao poder legislativo, que toma o acordo, e ao poder executivo, que o exerce. E sem justificação para acudir à UE quando no Estado espanhol existe um tribunal independente dos três poderes, o Constitucional (não pertence ao poder judicial), que interpreta a Constituição e pode dirimir a constitucionalidade do acordo. Certamente, o único poder do Estado que se acha fora de jogo, com seu mandato finalizado há mais de cinco anos, constitucionalmente caducado polo transcurso do tempo de vigência que lhe outorga o próprio texto constitucional, é o poder judicial. Um poder judicial que além de estar fora de tempo, não se identifica com a composição do Congresso, polo que tampouco a maioria dos vogais deveria ser conservadora. E que interfere decisivamente na governabilidade, abrindo causas que ao final se arquivam, mas que já forçarem demissões ou mudarem o curso político. O poder judicial agrava sua decomposição com a renúncia de vários cargos técnicos enquanto os vogais se aferram à cadeira (exceto Carlos Lesmes e Concepción Sáez), aprovam informes contrários a amnistia (incluso antes de promulgar-se a lei) com o mandato já caducado e se amparam na persistente postura obstrucionista do PP para perpetuar esta situação de caducidade que bem podemos definir "de ilegitimidade", enquanto o PP joga com o PSOE amagando em propostas nunca rematadas de acordo de renovação que alongarão de jeito indefinido até que de novo consigam a maioria necessária para governar e eleger um Conselho à sua feitura.