Este país não é para nós?

Atrair mais investimento estrangeiro e procura externa foi um dos principais mantras dos anos de crise económica e social que Portugal sofreu após a recessão financeira de 2008. As medidas tomadas para facilitar a entrada de capitais estrangeiros no mercado imobiliário, tornar o país atrativo para turistas e um destino apetecível para residentes privilegiados foram um sucesso. Afinal, Portugal atrai celebridades mundiais como a cantora Madonna ou a atriz Mónica Bellucci que aqui compraram casa, é um dos principais destinos europeus de investimento direito estrangeiro e tem registadorecords da procura turística. O país está bem posicionado nos fluxos globais de capitais, mas as condições laborais colocam-nos na cauda da Europa. Com as rendas e prestações ao banco distorcidas da realidade nacional, são muitas pessoas que se veem forçadas a viver em condições precárias, ter mais do que um emprego, partilhar casa com quem não querem ou rumar para o estrangeiro. Este país não é para velhos, nem para novos, é para bolsos que não são os nossos. O peso da habitação O jornal Público disponibilizou recentemente uma ferramenta que permite cruzar o preço médio do arrendamento ao rendimento individual. Selecionando um montante de 1.082 euros líquidos (salário médio de 2021) e a tipologia de um apartamento com um quarto, a grande parte dos territórios das áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa, o Algarve e municípios como Braga, Aveiro, Coimbra e Sines aparecem a vermelho escuro. Aqui arrendar uma casa nestas condições implica canalizar mais de 35% do rendimento para a habitação, ultrapassando a taxa de esforço recomendada de 33%. No centro de Lisboa este valor chega a atingir os 90%. Comprar uma casa é, também, cada vez mais difícil. Só em 2022 o preço de vendas disparou 18,7%, o maior aumento dos últimos 30 anos. Os baixos salários e os elevados preços da habitação favorecem a saída de jovens com licenciaturas As consequências não são difíceis de imaginar. Por exemplo, há municípios onde as vagas em tribunais, hospitais e escolas não são ocupadas porque os salários de funcionários públicos não chegam para pagar o alojamento. Há também casais separados que continuam a viver na mesma casa por não ter dinheiro para outra solução, ou pessoas que depois de anos de vida independente têm de voltar para casa dos pais. Para os estudantes a realidade não é mais animadora pois o preço médio dos quartos em cidades como Porto ou Lisboa ronda os 450 euros, o que faz da habitação a principal barreira no acesso ao ensino superior. Um mercado de trabalho made in Portugal Um estudo do Banco de Portugal, divulgado recentemente, mostrava uma realidade preocupante: pessoas com o ensino superior que entraram no mercado de trabalho em 2020 auferiam um salário de entrada inferior às que entraram em 2006. A formação superior parece ter deixado de ser uma garantia para aceder a postos de trabalho mais bem pagos. De facto, os ganhos salariais associados à formação formal têm vindo a baixar ao longo dos últimos anos. Esta é uma realidade alarmante num país com que continua com défices de formação formal crónicos. Perante este cenário, a emigração começa a atingir valores semelhantes aos da crise de há uma década. Embora o Governo tenha lançado recentemente medidas para reter jovens qualificados, muitos estão a sair para países onde o salário é garantia de autonomia e estabilidade. Surpreendentemente, há 12 países europeus onde trabalhadores com ensino secundário (correspondente a 12 anos de formação) recebem mais, em média, do que alguém com uma licenciatura em Portugal. A conclusão é do próprio Observatório da Emigração: os baixos salários e os elevados preços da habitação favorecem a saída de jovens com licenciaturas. O problema dos elevados preços da habitação não é exclusivo de Portugal, atingindo várias cidades europeias. A marca portuguesa está em apostar numa economia baseada em setores com grande capacidade de exportação, como é o caso do turismo, sem controlar os efeitos negativos que gera nos mercados imobiliário e laboral. Genuinamente portuguesas são as condições especiais que se criam para imigrantes com elevados rendimentos, como os benefícios fiscais oferecidos a "nómadas digitais" que ganham mais de 2.800 euros por mês, ao mesmo tempo que pouco se faz para garantir que a lei laboral protege quem aqui trabalha. O povo não está sereno e dia 30 deste mês as lutas pela habitação voltam à rua. Dos versos da canção que inspirou este texto, "não sei o que é que fica", da Garota Não em parceria com Chullage, surge a pergunta: "começam as obras, que casa bonita! começam os guests, fome é infinita/ mais um AL [alojamento local], orgulho nacional / corrida sem lei, onde vais Portugal?".