Opinión

A controvertida custódia compartida

Não temos precedentes ainda que nos ensinem como amar depois de ter amado.


Não temos precedentes ainda que nos ensinem como amar depois de ter amado. Mal sabemos como tratar as pessoas que agora são as nossas ex-. No mundo tradicional, o amor roto tornava ódio; na criação de valores para um mundo novo, os e as ex- têm que fazer parte da nossa intimidade, do conjunto de seres em quem confiarmos, sobretudo se houver filhas e filhos. Digo isto desde um sentir sumamente crítico com a controvertida proposta de nova regulação da custodia compartida que tentam impor-nos. Na sentença do rei Salomão reconhecia-se a mãe autêntica porque não queria que lhe partissem o filho pela metade. Com efeito, quando remata um casal, as filhas e filhos podem ficar com a mãe -o mais habitual numa sociedade onde os cuidados estão feminizados- ou com o pai; a família arbitra. As duas possibilidades são, em princípio e hipoteticamente, válidas. Também pode ser que os antes namorados decidam partilhar a custodia e que sejam as crianças quem devam mudar de casa cada certo tempo. Cada família decide, em função do seu jeito de vida, da sua economia, da sua saúde. Conheço ex- que demonstram excepcional responsabilidade e capacidade de amar os seus, e que traçam filigranas no ar para atenderem como melhor corresponda a sua descendência, às vezes mesmo em situações tão complexas como a de ter várias filh@s com alguma disfuncionalidade. Todas as opções generosas arbitradas para a felicidade comum são válidas, e muitas, seguramente, estão por inventar. Porém, segundo esta nova regulação legal da custodia compartida, quando os dois membros dum casal roto reclamem a custodia, os juízes resolverão dando preferência à solução de partilhá-la. E isto soa perigosamente a lei de Salomão.

Quando os dois membros dum casal roto reclamem a custódia, os juízes resolverão dando preferência à solução de partilhá-la. E isto soa perigosamente a lei de Salomão

Porque todo o mundo pode comprovar que a solução de as crianças se trasladarem duma a outra casa é complexa. Nada em contra de quem a praticar, mas não parece ideal andar de mochila na mão a adaptar-se a normas necessariamente diferentes. Especialistas em educação com distintas perspectivas e em termos gerais asseguram que as crianças são sensíveis aos limites e que aprendem pronto a burlá-los quando são diferentes, a chantagear. A custódia compartida, mesmo quando for desejada, é difícil. Por isso, praticá-la exige uma considerável quantidade de afeto entre os ex-, e um especial interesse das suas eventuais novas parelhas. Não pode funcionar ditada pelo julgado porque, se os progenitores não estavam prontos a cederem os seus interesses em função do bem-estar d@ menor, dificilmente saberão negociar em tantos acordos como a educação exige. A lei, aliás, é tudo menos feminista. Porque a olhada feminista é reivindicativa, mas terna, e não se conforma com envolturas de falsa igualdade que impliquem que pais e mães sejam iguais e intercambiáveis. O feminismo está atento a que também os homes, tradicionalmente excluídos dos cuidados, podem e devem implicar-se neles e, nesse sentido, atuarem como as mães de toda a vida. Mas, a realidade nesta sociedade é que ainda não todos são vistos nas consultas pediátricas, nem nas reuniões escolares, nem na procura dum tempo de lazer para partilhar com a gente miúda. Cada vez mais pais se incorporam aos prazeres de cuidar e isso é um logro feminista.

Para o aborto berramos, "nós parimos, nós decidimos". Para a custódia também deveríamos clamar por essa preferência.

Porém, as estatísticas cantam também aqui. Porque nesta sociedade ainda há violência de gênero. E existem casos, alguns tristemente conhecidos, em que o ex se vinga dela matando @s filh@s. São, a meu ver, tão repulsivos estes casos, sacodem tanto as nossas consciências, que invalidam esta iniciativa legal. Se num só episódio de violência contra menores, esta se verificasse após uma sentença de custódia compartida, haveria que culpar o julgado por tratar @s menores como cobaias onde comprovar as mudanças sociais. Entretanto, existem sistemas de mediação, expert@s em psicologia e em leis que podem ajudar a tomar decisões. Quando os dois estiverem francamente interessados nas filhas e filhos não quererão que os partam pelo meio. Aliás, uma intensa e profunda relação, no momento em que rompe, demanda aprender a amar doutra maneira e um jeito de dar provas de verdadeiro amor para toda a vida bem pode estar em reconhecer-lhe à mãe alguma preferência na custódia, pela sua implicação biológica inevitável na conceição, no embaraço e no parto, pela sua habitual implicação educativa e de cuidados e, sobretudo, pelo facto de oferecer uma garantia geral da proteção de todas as crianças. O único que tiveram sempre as mulheres foram os seus filhos e filhas. Nenhuma lei terá perspectiva de gênero se deixa de olhar para elas, se deixa as mulheres expostas e desassistidas. Para o aborto berramos, "nós parimos, nós decidimos". Para a custódia também deveríamos clamar por essa preferência.

Estou certa de que muitos homens estariam dispostos a parir se pudessem, e acho que esses homens devem ser reconhecidos como autênticos companheiros implicados no projeto familiar após a separação e recompensados com uma participação efetiva nas decisões, com tempo para tecer em comum. Eles devem procurar o seu papel na paternidade responsável, como estão começando a fazer, e elas aprenderão a amá-los também depois da ruptura reconhecendo os seus direitos de continuar a desfrutar da sua paternidade. Sem recorrer ao critério dum julgado que iguale todos os casos. Sem partir ninguém pela metade.

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