Opinión

Literatura. Compromisso.Vida.

O azar juntou-nos a Pereira e a esta leitora no momento de decidir sobre o nosso nível de compromisso persoal com a vida. Andavamos algumas pessoas, daquela, a dar voltas à ideia de responsabilizar-nos da gestão do centro em que trabalho; ao tempo, no clube de leitura desse mesmo centro, comentavamos Afirma Pereira, a novelinha de Tabucchi. 

O azar juntou-nos a Pereira e a esta leitora no momento de decidir sobre o nosso nível de compromisso persoal com a vida. Andavamos algumas pessoas, daquela, a dar voltas à ideia de responsabilizar-nos da gestão do centro em que trabalho; ao tempo, no clube de leitura desse mesmo centro, comentavamos Afirma Pereira, a novelinha de Tabucchi. E por causa de Pereira e o seu agarimo polo Monteiro Rossi, eu não puidem subtrair-me à proposta de assumir a Jefatura de Estudos do IES Illa de Arousa. Um centro de ensino secundário pequeneiro; uma responsabilidade pequeneira também, um nada, como escrever necrológios futuros num jornal vespertino. Porém, como não ia aceitar, se o Pereira (e tantas outras) arriscaram bem muito mais em circunstâncias muito mais perigosas...

"Para as que não saibades, vou-no aclarar: é mui complicado dar com professorado que se implique na gestão de centros escolares. O compromisso é embaraçoso".

Primeiro aprendizado: cuidado com o que ledes!


Para as que não saibades, vou-no aclarar: é mui complicado dar com professorado que se implique na gestão de centros escolares. O compromisso é embaraçoso. E a gestão dum centro também: lidar com companheiras, com as famílias, com a superioridade técnico-política, com o alunado. É aceitar meter-se em sarilhos e incomodos tão facilmente evitáveis fechando os olhos ou levando as mãos às orelhas. Isso faz que muitas teorizemos sobre como hão de funcionar as cousas desde as mesas dos cafés, tertúlias e foros internáuticos, mas que, chegado o momento, recussemos amavelmente sujar as mãos em lides burocráticas. Eu era dessas. Mas lim Afirma Pereira.

Novo aprendizado: mulher que lê é perigosa.

E isso provocou que durante estes últimos dous anos e meio (só, tantos) partilhasse equipa directiva no IES da Arousa com Alfonso Malvido e Sonia González.

E mais que aprendim! Aprendim que existem leis orgánicas que nos marcam os caminhos; decretos-lei que condicionam as nossas decisões; diretrizes oficiais que proponhem escolhas. Há ministérios, juntas, delegações, macro e micro-políticas, super-estruturas e ideologias. Mas, afinal, ao pé, estamos as pessoas. E as pessoas actuamos, fazemos, escolhemos. E mesmo regidas polas mesma leis, decretos e diretrizes, a nossa atitude e talante, o espírito com que desenvolvamos o nosso trabalho, podem mudar as cousas. Porque as nossas acções deixam pegada no entorno imediato, no caminho que andamos. 

"Isso provocou que durante estes últimos dous anos e meio (só, tantos) partilhasse equipa directiva no IES da Arousa com Alfonso Malvido e Sonia González".

É verdade: nestes dous anos e meio nunca sentimos o apoio da administração que nos dirige. Nem nos momentos mais duros, que os houvo. Mas sempre andou perto de nós o alento e trabalho partilhado das companheiras do claustro, a cumplicidade do nosso alunado e o respeito e ánimo de nais e pais. 

O nosso objectivo era dignificar a escola pública, que o nosso alunado tivesse uma educação digna e que o centro fosse vivido como algo próprio na comunidade carcamã. Estavamos dispostas a defender com unlhas e dentes, como lobas, os direitos educativos das nenas e nenos da Arousa. Porque parecia que por ser dum centro pequeneiro, os seus direitos eram vistos como privilégios. E fomos conscientes de que para cumprirmos tais objectivos precisavamos criar comunidade. Unir as nossas forças com as das nossas companheiras docentes, com as famílias do alunado e com a vizinhança. E fomos fazendo. Pouco a pouco. Trabalhando. Falando. Porque a única maneira de luitar contra a propaganda, essa que apregoa mestras nugalhãs, sistema fracassado ou mã qualidade do ensino era juntar mãos, gandujar e tecer rede. E a rede foi-se tecendo. Esquecendo rateos e estatísticas para centrar-nos nas pessoas, nas duzentas pessoas com nomes e apelidos sob a nossa responsabilidade. E a rede foi engordando. Um centro pequeneiro, uma ANPA pequeneira, um claustro pequeneiro. E a rede virou perigosa. E foi necessário tronçá-la.

Hoje, como Pereira naquele livro, naquela Lisboa e naquele ano, Alfonso, Sonia e eu somos obrigadas a abandonar, a colher um comboio e deixar o trabalho a meias. Mais fazemo-lo acompanhadas da nossa gente. E essa é a grande aprendizagem que nos deixa o compromisso.

"Nestes dous anos e meio nunca sentimos o apoio da administração que nos dirige. Nem nos momentos mais duros, que os houvo".

Haverá quem considere excessiva a comparação entre a luita contra o fascismo na Europa salazarista, franquista, nazista e este nosso pequeno conflito de pequena escola contra os cortes educativos e o autoritarismo antidemocrático. Contudo, é essa comparação a que me faz reflexionar. Aqui e agora não estamos em perigo de morte e execução. Não há prisões nem campos de concentração nem passeios à nossa espera. E eu acho em falta mais Monteiros Rossi e Malvidos luitando pola escola pública desde a gestão dos centros escolares. Como é que não temos as escolas galegas rebentadas de Pereiras a escrever os seus obituários em defesa dum ensino público de todas e para todas?  

Esta é a outra (e dura) aprendizagem.

Susana Sánchez Arins

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