Opinión

A Ucrânia e o alargamento da União Europeia

Leio notícias e opiniões sobre a possibilidade de alargamento da União Europeia à Ucrânia e a outros países do antigo espaço soviético. Escritores entusiastas da UE e da NATO apontam a janela de oportunidade que esta guerra está a proporcionar para enfraquecer a resistência dos que se opõem a esse alargamento. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, descreveu-o como uma prioridade na cimeira da UE em Kiev. É verdade que a ideia de reforçar a união, na sua versão política e militar, depois de alguns anos em que só sofreu reveses como o bendito Brexit, voltou a ganhar algum apoio, e as forças pró-europeias voltam a falar com a sua habitual arrogância, que julgávamos esquecida. Mais um tanto a apontar ao governo de Putin, ao qual os apoiantes da NATO e outros defensores da União deveriam premiar com um monumento pelos serviços prestados à causa. Há anos que a NATO não era tão forte, nem o sector militar-industrial que a acompanha estava tão bem abastecido de recursos e encomendas militares. A UE, por seu lado, foi reforçada pela emergência de um inimigo comum, que teoricamente tem de ser confrontado no domínio da energia e de outros recursos naturais. Não há nada melhor do que ter um inimigo comum para suscitar o medo da guerra e da escassez a fim de reforçar as instituições europeias, e os nossos dirigentes esclarecidos parecem ter aproveitado a oportunidade. Já o tentaram antes, com a guerra de civilizações com o Islão, mas isso não justifica a criação de um arsenal militar gigantesco. Atualmente, dá mais jeito que a agressão russa poda servir para reforçar os seus exércitos e arsenais do que a China, pois não me parece que a China seja tão desastrada ao ponto de iniciar uma guerra, por muito que a provoque.

Além disso, a futura UE seria ainda mais centralizada do que a atual. Para reduzir os problemas previsíveis de governação numa União alargada a países como a Ucrânia, a Moldávia, a Bósnia e a Geórgia, muito diferentes entre si e dos outros países da organização europeia, propõem reduzir ainda mais o direito de veto dos países, limitando-o a cada vez menos motivos, e reforçar o poder da Comissão, já de si antidemocrática. 

Mas a verdade é que não sei se hei-de ficar contente ou não com este processo, uma vez que tal alargamento terminará muito provavelmente com uma implosão do próprio projeto europeu. Em vez de lutarem contra o capitalismo, os aceleracionistas de esquerda, como B. Bratton ou N. Srnicek, procuram levá-lo até às últimas consequências, a fim de tornar visíveis as suas contradições, provocar o colapso do sistema e iniciar uma mudança social radical. Algo de semelhante poderá acontecer com o alargamento da UE e da NATO, sobretudo se, como é previsível, em breve ficarem sem um verdadeiro inimigo no espaço europeu, dada a previsível falta de capacidade do exército russo para enfrentar uma guerra moderna. Um tal alargamento conduziria a crises intermináveis, uma vez que as suas culturas políticas são muito díspares e que seriam demandantes netos de redistribuição, algo que uma Europa em declínio económico e demográfico não seria capaz de assumir. O problema é que esse colapso teria consequências graves também para nós, e seria feito de forma desordenada, o que poderia ter consequências económicas graves a médio prazo. Espero que, em vez de alargarem ao gentil monstro de Bruxelas, como gostava de lhe chamar Hans Magnus Enzensberger, comecem a pensar em como desmantelá-lo ou em como reduzir as suas funções, em vez de procederem a alargamentos loucos.

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