Opinión

O ridículo de Rússia

Terminada a aventura de Prigozhin e dos seus mercenários na Rússia, resta apenas analisar as consequências de tão estranha manobra, quer para a estabilidade do regime russo, quer para a sua operação especial na Ucrânia. Em princípio, todo parece ter sido resolvido de forma pacífica e com um resultado mais ou menos positivo para ambas as partes. Putin mantém-se em funções e a companhia Wagner está, para já, a salvo da dissolução, embora provavelmente não da subordinação ao exército regular. Prigozhin, embora exilado, salva a sua vida e continua a ser um herói aos olhos de grande parte do povo russo, que lhe deu um tratamento de herói durante a ocupação de Rostov. Tudo não passou de uma pequena jogada, típica de um homem de negócios algo extravagante, e agora que tudo acabou, somos todos amigos de novo e combatemos o inimigo ucraniano com renovado vigor, parece ser esta a conclusão, retirada desta extranha série de acontecimentos, obtida pelos abundantes meios de comunicação pró-russos que povoam as redes sociais.

Para um analista que procure os pormenores, o que aconteceu oferece uma realidade muito mais complexa e uma perspectiva que não deixa propriamente o regime de Putin numa boa posição. Os analistas parecem concentrar-se sobretudo na aparente perda de poder do presidente russo, que vê o seu poder ser abertamente posto em causa por um oligarca anteriormente ao seu serviço. O facto de parecer ter pouco medo dele não é de menor importância, nem o facto de ele procurar determinar quem deve ou não fazer parte do seu governo, suplantando assim as suas funções, mas, a meu ver, não é esse o cerne da questão. Putin irá certamente renegar as suas promessas e fazer permanecer no governo quem ele considerar adequado. A revolta poderia muito provavelmente reforçar Gerasimov e Shoigu, precisamente para dar uma imagem de força e, inversamente, enfraquecer a aposta de Prigozhin, Surovikin, pelas mesmas razões. A forma como este último pareceu pedir a retirada das tropas golpistas não aponta para uma melhoria da sua posição. Também não se pode excluir a hipótese de uma purga entre os membros do estado-maior wagneriano, mas em breve se saberá se essa especulação tem ou não uma base sólida. Também não creio que seja particularmente relevante o facto de ter sido a mediação do Presidente bielorrusso o que levou ao fim da revolta. O mais provável é que Putin tenha delegado nele a mediação, uma vez que não podia envolver-se pessoalmente nas negociações, o que reduziria o seu prestígio a cinzas.

O problema para Putin e para o seu governo reside na sua enorme fraqueza militar, como o demonstra a facilidade com que os rebeldes conquistaram cidades importantes como Rostov e a rapidez com que se aproximaram de Moscovo a partir das suas bases militares. A resistência que encontraram foi quase ridícula e facilmente neutralizada, tendo mesmo abatido vários helicópteros e aviões de combate, com baixas entre os soldados russos, sem que tenham sido registados danos semelhantes nos soldados wagnerianos. Parece que o grosso do exército russo está concentrado nas frentes ucranianas, restando poucas tropas para defender o país, caso as coisas corram mal. De facto, tiveram de enviar as tropas chechenas de Kadyrov para tentar travar o seu avanço, que, pelo sim, pelo não, não parecem ter chegado muito perto. Este fator de fraqueza pode ser explorado por rivais internos, há muitas nacionalidades à espera da sua oportunidade, ou externos, como a Geórgia, que aguardam a oportunidade de recuperar territórios que consideram seus, como a Abcásia.

Entretanto, à luz dos acontecimentos, sugiro que os defensores do mundo multipolar (a ideia não é má, depende apenas dos pólos que forem escolhidos) procurem outro pólo para enfrentar o império, pois receio que este lhes seja de pouca utilidade.

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