Opinión

Revoltas em França e questão nacional

É com interesse que leio as análises que estão a ser feitas, a partir de várias perspectivas, sobre os tumultos ocorridos em França nas últimas semanas. Não quero abordar as análises estruturais, que procuram as origens das revoltas no colonialismo ou na pilhagem continuada do continente africano até hoje, nem as que procuram explicá-las com argumentos de luta de classes. Não porque estes argumentos não devam ser discutidos, que o devem ser, mas porque o que me preocupa é a suposta incapacidade destas pessoas de se integrarem em França, ou nas nações ocidentais em geral.

As explicações sistémicas podem ilustrar as origens da situação atual mas, infelizmente, dão poucas pistas sobre como lidar com ela hoje e, sobretudo, como poderá evoluir no futuro. Uma deputada da direita republicana francesa disse, ao ser informada de que a maioria dos detidos por causa dos motins são cidadãos franceses, que seria necessário ver até que ponto essas pessoas eram francesas. Penso que esta afirmação, aparentemente frívola, contém muitas das chaves da questão.

Trataría-se de determinar o que é exatamente ser francês, ou seja, se há certos traços mínimos que permitem associar uma pessoa a uma identidade nacional. Isto é algo que também se poderia aplicar à Galiza, ou a qualquer outra nação. Numa altura em que qualquer expressão cultural ou identitária realizada num determinado espaço administrativo pode ser associada a este, é difícil determinar se existe algum traço que seja próprio ou privativo do lugar e se qualquer outra atividade realizada no território pode também ser entendida como um atributo nacional em igualdade cos entendidos como proprios.

Para usar exemplos daqui, poderíamos dizer que o polvo na feira ou as regueifas fazem parte da cultura galega, mas poderiam ser definidos como mais galegos do que a comida tailandesa oferecida num restaurante da Corunha ou a dança de um girovago executada em Lugo? O culto da Virgem do Corpinho é mais específico do ponto de vista cultural do que um ritual xintoísta? Se tudo o que se faz na Galiza é galego, ou se tudo o que se faz em França é francês, a resposta correta seria afirmativa, mas o problema derivaria então do facto de não haver nada a que uma pessoa de outra cultura se deva adaptar para ser considerada um cidadão integrado.

Normalmente, para resolver o problema, usa-se de uma definição mínima, e é nestes casos habitual recorrer à língua, a um juramento ou promessa de lealdade a um código constitucional, ou à posse de um documento administrativo para atribuir a uma pessoa uma realidade nacional, mas isso não parece ser algo que possa ser aplicado aos habitantes do banlieu que se sentem mal adaptados, apesar de cumprirem esses requisitos mínimos, que eles cumprem. De facto, a maior parte deles preenche esses requisitos, mas não parecem ser suficientes, e se quisessem integrar-se (na minha opinião, teriam o direito de não o fazer) nem saberiam exatamente como o fazer, pois não sabem exatamente a que se devem adaptar.

De facto, muitos não o fazem, e outros, como alguns grupos próximos de Zemmour e do seu partido Reconquista e curiosamente, muitos deles provintes também do Norte de África, fazem-no mas adoptando todos os estereótipos do que é considerado francês. Nestes tempos de laicismo de valores, não só religiosos, ensaios definidores da nossa cultura como os de Pedrayo ou Risco, que hoje seriam muito incorrectos e seguramente rejeitados pelos nossos nacionalistas modernos, já não se escrevem, mas também não se discute se existe algum tipo de traço essêncial nas nossas culturas nacionais que as defina como tal.

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