Opinión

Escalada

Leo que Lavrov, o Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, recebeu em Moscovo uma delegação oficial do Hamas, no dia seguinte ao encontro dos dirigentes do regime iraniano com os seus grupos proxy, o Hamas, o Hezbollah e a Jihad Islâmica. Isto é preocupante, porque uma coisa é aceitar, como fazem muitos países, incluindo a ONU, que o povo palestiniano não é o Hamas e que, portanto, não pode nem deve ser punido coletivamente, e outra coisa é convidar abertamente uma delegação da milícia armada que levou a cabo graves ataques contra civis em Israel. Os meios de comunicação social russos ou os que lhes são próximos dizem que essa reunião teve lugar para discutir os reféns. Não acredito nisso, não porque tais negociações não aconteçam com frequência e requirem intermediários, mas porque são normalmente conduzidas de forma discreta e certamente sem recepções oficiais. A Federação Russa, por razões óbvias, também não parece ser o melhor negociador neste momento, pois não me parece que tenha muita influência sobre Israel, nem que seja um exemplo de moderação. A não ser, evidentemente, que liberte reféns como forma de teatro pré-arranjado para obter um triunfo diplomático, tanto a nível interno, se conseguir libertar reféns de origem russa, como a nível externo, para mostrar uma face mais amigável à opinião pública. 

Isto aponta para uma escalada do já sangrento conflito israel-palestiniano e sugere que o ataque do Hamas pretendia ser muito mais abrangente do que um mero conflito local. Parece fazer mais parte de um grande jogo do que de uma retaliação à opressão israelita e, na verdade, não só o ataque, mas também a forma como foi levado a cabo, incluindo as gravações, foram concebidos para provocar o tipo de resposta militar que, infelizmente, está a ter lugar. Qualquer especialista em terrorismo ou em luta revolucionária –Saul Alinsky, por exemplo, explica-o muito bem nas suas Regras para Radicais– explicá-lo-ia como uma provocação que procuraria uma reação desproporcionada que, por sua vez, reforçaria a luta original. Estas represálias, em particular, procurariam a indignação dos povos árabes e o repensar das alianças que muitos deles começavam a estabelecer com Israel, por exemplo, alguns dias antes do atentado tinha havido também uma visita de ministros hebreus à Arábia Saudita com a intenção de estabelecer algum tipo de relações entre os dois Estados. Neste momento, este objetivo já foi alcançado, pelo que se pode pensar que por detrás da incursão em Israel pode estar uma estratégia concebida por alguma potência, como o Irão, que beneficiaria externamente com a desestabilização da zona e com o impedimento de acordos de paz entre árabes e israelitas, e internamente com o alívio da pressão que sofreu após os tumultos pela morte pela polícia há um ano da jovem curda.

A Rússia está a aproveitar a oportunidade e poderá ser um dos principais beneficiários desta guerra. Por um lado, militarmente, está a desviar a atenção das forças ocidentais, até agora concentradas na Ucrânia, abrindo-lhes uma segunda frente, e, por outro lado, está a reforçar a sua posição no exterior, ganhando apoio para a sua causa no mundo árabe e, especialmente, na esfera da opinião pública, tentando transferir as simpatias suscitadas pela causa palestiniana para a sua própria causa (a Turquia também está a tentar fazê-lo). O problema é que esse apoio desencadeia o risco de uma escalada militar noutras partes do mundo e que, como sabemos pela história, os conflitos regionais podem transformar-se em conflitos globais.

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