Opinión

Leninismo e libertaçom nacional (II)

Como primeira caraterística do pensamento de Lenine, já desde 1903, em que começa a escrever sobre o assunto, devemos destacar o reconhecimento explícito do direito de autodeterminaçom e o rejeitamento aberto da opressom nacional. De facto, o POSDR (Partido Operário Social democrata Russo) converteu-se nesse ano no primeiro partido marxista a incluir no seu programa o direito de autodeterminaçom.

Lenine: as naçons oprimidas como sujeitos políticos ao serviço da revoluçom

Como primeira caraterística do pensamento de Lenine, já desde 1903, em que começa a escrever sobre o assunto, devemos destacar o reconhecimento explícito do direito de autodeterminaçom e o rejeitamento aberto da opressom nacional. De facto, o POSDR (Partido Operário Social democrata Russo) converteu-se nesse ano no primeiro partido marxista a incluir no seu programa o direito de autodeterminaçom.

Até a Revoluçom de 1905, podemos afirmar, com o estudioso Javier Villanueva, que a sua é umha “defesa passiva” dos direitos nacionais, com escassa dedicaçom teórica e umha clara desconsideraçom prática quanto à importáncia da resoluçom do problema nacional no interior do Império russo (8).

"O próprio Vladímir Ilitch irá afirmar como elemento central para o reconhecimento da naçom: A vontade  e, em conseqüência, a existência de um sujeito político que constrói a naçom".

A revoluçom de 1905 regista umha mudança de tendência, com o protagonismo do movimento de libertaçom nacional na Finlándia, onde se registam as maiores mobilizaçons. Apesar do definhamento do movimento revolucionário nos anos que se seguem à derrota, a partir de 1912 o fator nacional ganha peso tático na luita política novamente ascendente contra o Czarismo. Os povos oprimidos em que nom se tinham manifestado expressons de afirmaçom nacional em termos políticos começam a fazer frente à crescente russificaçom forçada de um nacionalismo Gram-Russo exacerbado, temeroso de perder os seus privilégios nacionais.

Lenine, que sempre tinha reconhecido os direitos nacionais como princípio democrático, assume agora umha posiçom ativa, integrando-os como parte da imprescindível acumulaçom de forças revolucionárias. É nesta altura e nesse contexto de maior protagonismo do fator nacional que pede a um “maravilhoso georgiano” que elabore um trabalho que poda servir de base à orientaçom política do Partido Bolchevique. O artigo “O marxismo e a queston nacional” é concluído em 1913, ficando como o mais importante texto teórico elaborado por Staline. Apesar das suas carências, algumhas das suas teses ficarám como referência durante décadas para as esquerdas ligadas à III Internacional pós-Lenine e nom só (9).

Porém, no intervalo entre 1913 e a morte de Lenine, o trabalho de Staline nem cumpriu a tarefa para a qual tinha sido elaborado, nem o próprio Vladímir Ilitch o citou na sua cada vez mais abundante elaboraçom teórica sobre a matéria. Contodo, sim detetamos aspetos comuns ao que vai ser o programa bolchevique até 1917, como a ratificaçom do reconhecimento do direito de autodeterminaçom ou umha rígida negativa tanto às propostas austromarxistas como às federativas do Bund (organizaçom da esquerda socialista judia no interior da Rússia). Em ambos aspetos, as cousas vam mudar com a vitória revolucionária, abrindo-se a aplicaçom de políticas análogas às propostas polo austromarxismo (em relaçom ao ensino da língua ídiche à populaçom judaica na Ucránia e na Bielorrússia) e reconhecendo-se soluçons de tipo federal a nível organizativo do novo Estado operário (10).

Noutros pontos, as teses de Staline discordam das defendidas por Lenine nos anos seguintes. É o caso do psicologismo (“psicologia peculiar”, “fisionomia espiritual” e “comunidade de psicologia”, chama-o Staline) e da “exigência” de umha tabela fechada de caraterísticas imprescindíveis para a “catalogaçom” de umha comunidade humana como nacional. Som elas: “comunidade estável, historicamente formada e surgida sobre a base da comunidade de idioma, de território, de vida económica e de psicologia, manifestada esta na comunidade de cultura”. Segundo o autor do texto, “basta com que falte nem que seja só um desses traços, para que a naçom deixe de ser tal”.

Tam chocante como a “exigência” do referido “catálogo integral”, que Lenine descarta explicitamente em diferentes escritos sobre o assunto, é a ausência do que o próprio Vladímir Ilitch irá afirmar como elemento central para o reconhecimento da naçom: A vontade (11) e, em conseqüência, a existência de um sujeito político que constrói a naçom.

"Só após a chegada ao poder do Partido Bolchevique mudará Lenine a sua posiçom nesse terreno, defendendo a federaçom tanto a nível de partido como do novo Estado operário: a Uniom de Repúblicas Socialistas Soviéticas"

Dá nas vistas também, na visom de Staline, a afirmaçom de que, na Europa Ocidental, todos os estados coincidem com espaços nacionais, situando o caso irlandês como única exceçom. Contradi assim a sua própria definiçom dogmática, pois é evidente a existência de diferentes comunidades nacionais no interior da maioria dos estados capitalistas do ocidente europeu. Ao invés, Staline considera que a Europa Oriental se carateriza pola existência de “Estados multinacionais”. Esse diferente tratamento dos estados ocidentais e orientais responde à exclusom do fator vontade e, portanto, do caráter político da afirmaçom nacional. Isso permite-lhe tanto omitir a existência das naçons sem Estado na Europa Ocidental como reservar para os impérios russo e áustro-húngaro a “assunçom da tarefa de unificar as nacionalidades num Estado”. No caso da Hungria, chega a explicar a construçom do Estado-Naçom húngaro por ser a nacionalidade magiar “a mais apta para a organizaçom estatal” (sic).

Mais umha caraterística do nacionalismo explicado por Staline é a insuficiente distinçom entre naçom opressora e naçom oprimida, igualando ambas na disputa interburguesa que, no caso da naçom oprimida, tenta arrastar outras classes sob a bandeira dos interesses da “pátria”; umha pátria que Staline escreve assim, entre aspas.

Coincide com Lenine, entretanto, ao definir a autodeterminaçom como o direito à plena separaçom, assim como, em simultáneo, à negativa a favorecer a auto-organizaçom do proletariado de cada naçom oprimida: “…os operários estám interessados na fusom completa de todos os seus camaradas num exército internacional único…”. Só após a chegada ao poder do Partido Bolchevique mudará Lenine a sua posiçom nesse terreno, defendendo a federaçom tanto a nível de partido como do novo Estado operário: a Uniom de Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS, criada em 1922).

Também coincidem no reconhecimento da Suíça como mais avançada democracia burguesa na abordagem da diversidade nacional. No caso de Lenine, chega a pô-la como exemplo da soluçom da questom lingüística, contrapondo o seu modelo territorial com o “cultural-nacional” que defendia a corrente austríaca de Otto Bauer (12).

O esquematismo e reducionismo do artigo de Staline vai ser ultrapassado em todas as frentes polo desenvolvimento teórico (e prático) da linha política leninista nos anos seguintes, até 1917 e mais além.

Entretanto, a passagem de Kautsky para o campo burguês com motivo da Guerra de 1914 acelera a ruptura de Lenine com o que tinha sido um importante referente teórico. A sucessom de acontecimentos e o protagonismo crescente das luitas nacionais obrigam-no a elaborar um quadro teórico próprio nos anos seguintes.

Perfila com clareza a distinçom entre naçom opressora e naçom oprimida, partindo da extensom da posiçom de Marx sobre a Irlanda, projetando à realidade imperial russa o princípio de que “um povo que oprime outro povo nom pode ser livre”. Denuncia cada vez mais abertamente o nacionalismo opressor russo e deteta a sua influência no campo popular, tal como Marx e Engels tinham detetado o británico no proletariado inglês. Situa claramente o movimento popular como sujeito da autodeterminaçom e reafirma o caráter político (nom meramente cultural nem económico) do facto nacional; declara a durabilidade dos fenómenos nacionais contra as teorias mecanistas sobre a diluiçom das diferenças entre as naçons e situa no imperialismo a causa para umha explosom de luita nas pequenas naçons europeias que favorecerám a luita do proletariado socialista (13).

"No plano internacional, apela à inclusom do princípio de autodeterminaçom nos programas dos estados europeus mais avançados, rompendo com a inconseqüente omissom da Europa Ocidental como palco das luitas de libertaçom nacional e contrariando as teses do artigo de Staline."

No plano internacional, apela à inclusom do princípio de autodeterminaçom nos programas dos estados europeus mais avançados, rompendo com a inconseqüente omissom da Europa Ocidental como palco das luitas de libertaçom nacional e contrariando as teses do artigo de Staline.

O ano 1917 marca um novo passo em frente. Coincidindo com crise revolucionária russa, Lenine já abandonou a ideia da bondade intrínseca da integridade territorial do Império. Os direitos nacionais som incorporados ao programa revolucionário, junto à reivindicaçom da terra e dos sovietes como organismos de nova democracia popular. Elementos alheios até aí ao programa bolchevique, consegue assim ganhar simpatias nas populaçons das naçons oprimidas, articular a estratégia operária-camponesa e preparar o ascenso da corrente bolchevique nos órgaos de duplo poder ao longo do ano 17.

Só como mostra do pensamento avançado de Lenine na compreensom do facto nacional, entre os númerosos textos publicados durante esse ano, salientamos dous exemplos da sua aposta no reconhecimento da naçom em termos de sujeito político e vontade, contra o receituário dogmático do seu camarada georgiano posteriormente adotado pola III Internacional.

“…O que é peculiar na Rússia é a gigantescamente rápida transiçom da violência selvagem para o mais requintado engano. A questom fundamental é a renúncia às anexaçons nom de palavra, mas de facto. Rech anda a uivar pola declaraçom da social-democracia de que a incorporaçom de Courland na Rússia é anexaçom; é toda incorporaçom de umha naçom contra a sua vontade, sem importar se tem um idioma próprio, em tanto ela se considerar a ela própria como naçom diferente. Isto é um preconceito dos Gram-Russos, cultivado durante séculos…” (V. I. Lenine. Das Atas da Conferência de toda a Rússia do Partido Bolchevique. Março de 1917) (negrito incorporado por mim).

“Será considerado anexado qualquer território, cuja populaçom, no transcurso das últimas décadas (desde a segunda metade do século XIX), tenha expressado a sua disconformidade com a incorporaçom do seu território a um outro Estado, ou com a sua situaçom dentro do Estado; quer essa disconformidade tenha sido expressa em escritos, quer em resoluçons parlamentares, assembleias, reunions concelhias ou outros organismos similares, em documentos estatais e diplomáticos, surgidos do movimento nacional noutros territórios, em conflitos nacionais, choques, distúrbios, etc” (V. I. Lenine. Obras Completas em espanhol, T. XXVII, p 460. Ed. Akal)

Notas

8 Lenin y las naciones. Javier Villanueva, Editorial Revolución, 1987.

9 Na Galiza, Castelao e o conjunto do galeguismo primeiro e do nacionalismo que renasce na década de 60 do século passado depois, fai suas as teses estalinianas na definiçom “obetiva” da naçom a partir do “catálogo fechado” proposto polo dirigente de origem georgiana.

10 Em 1918, a Declaraçom dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado apela à formaçom de umha federaçom de repúblicas soviéticas com base na uniom livre e voluntária dos diferentes povos que a integrassem.

11 Sobretodo nos seus escritos a partir de 1917, Lenine destaca a vontade e a autoconsideraçom por parte da comunidade nacional em questom, manifestada por qualquer via, como única condiçom para o seu reconhecimento como naçom.

12 “Notas críticas sobre a questom nacional”, V. I. Lenine. 3 de maio de 1913.

13 “Balanço da discussom a respeito da autodeterminaçom”, V.I. Lenine, julho de 1916.

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