Opinión

Falsos e nocivos emblemas de galeguidade (2/2)

O dialetalismo meirande, por sua vez, está a ser muito usado no galego formal, por afám diferencialista a respeito do castelhano, em detrimento do adjetivo culto e supradialetal maior. Mas como é isso possível —e que a RAG, no seu dicionário, o patrocine—, quando meirande é umha forma nitidamente popular, e até vulgar, surgida por aglutinaçom de mais grande, e quando nem sequer esta última expressom comparativa, analítica, se revela elegante nem idiomática? Como podem escrever pessoas cultas, e até académicos, «na súa meirande parte», por exemplo, em vez do correto «na súa maior parte», quando nem sequer «na súa máis grande parte» seria aceitável?!

Mercar, com o sentido geral de ‘comprar’, é um dialetalismo, de caráter popular, presente nalguns falares galegos. Infelizmente, por diferencialismo a respeito do castelhano (supradialetal), mercar é hoje freqüentemente usado no galego formal no sentido apontado, o que prejudica, para já, a coesom galego-portuguesa, mas também a coerência e a funcionalidade do léxico galego culto. Com efeito, se utilizamos mercar de forma constante ou predominante no sentido geral de ‘comprar’, entom renunciamos a estabelecer na expressom formal a necessária discriminaçom de registos que o uso alternativo de adquirir (elevado) e de comprar (neutro) proporciona, e também a necessária diferenciaçom semántica entre comprar ou adquirir, de sentido geral, e mercar, com o sentido especial de ‘comerciar, comprar algo para vender’. Observe que, por exemplo, o título da peça de Shakespeare The Merchant of Venice há de ser vertido em galego-português como O mercador de Veneza (o castelhano aí recorre ao catalanismo mercader); mas, se, conforme o dicionário da RAG, mercar significa o mesmo que comprar, entom esse mercador de Veneza é o mesmo que o comprador de Veneza! Que chambonada!
Pseudogaleguismo semántico diferencialista é utilizarmos rematar como verbo intransitivo ou transitivo no sentido geral de ‘concluir’ («A festa rematou às 21h00»), dado que, primária e principalmente, se trata de um verbo transitivo que significa ‘concluir umha açom ou obra completando um último elemento’. Os problemas associados a esse uso diferencialista, tristemente avalizado pola RAG, som os seguintes, para além de assim isolarmos artificiosamente o galego do luso-brasileiro: com o uso constante, pseudoemblemático, de rematar na forma diferencialista assinalada, as pessoas nom distinguem em galego os registos associados a concluir (elevado) e a acabar, terminar, etc. (neutro); renunciam à variaçom lexical associada à escolha entre um leque de sinónimos integrado por acabar, concluir, encerrar, finalizar, findar, terminar; desistem, enfim, de estabelecer distinçom semántica entre acabar ou sinónimos (com o sentido geral de ‘concluir’) e rematar ‘acabar pondo um remate’.

Estes usos tornam o galego culto num código antieconómico ao afastarem-no artificiosamente do luso-brasileiro

Em jeito de resumo destas duas peças dedicadas aos usos lexicais nom regeneradores de caráter diferencialista, podemos dizer que estes tornam o galego culto num código antieconómico, ao afastarem-no artificiosamente do luso-brasileiro, e que prejudicam notavelmente a sua coerência interna e funcionalidade (indiferenciaçom de registos e matizes semánticos; monotonia lexical). Além disso, na presente altura, quando tam preciso é que os utentes cultos de galego fagam um notável esforço de incorporaçom de neologismos a partir do luso-brasileiro para combatermos a estagnaçom e a suplência castelhanizante, os usos lexicais diferencialistas constituem um inútil dispêndio de energia que pode detrair intensidade à execuçom de medidas realmente enriquecedoras (ex.: uso diferenciado de mostrar e ensinar, de mostra e de amostra; uso do tecnicismo mostrador (de relógio); uso de atingir como sinónimo de alcançar, e de encerrar e findar no sentido de ‘terminar’). Por último, nom devemos esquecer que a obcecaçom em afastarmos o léxico galego do castelhano representa, no fundo, dependência a respeito da língua de Castela, e que, portanto, a verdadeira estratégia regeneradora do galego consiste em substituirmos o referente repulsivo (e perturbador e alheio) constituído polo léxico castelhano polo referente atrativo (e enriquecedor e congenial) constituído polo léxico luso-brasileiro.

Comentarios