Quinta-essência da codificaçom oficialista do galego

Há no dicionário da RAG um artigo que, na sua brevidade, com o seu lema e duas aceçons, condensa de forma perfeita e obscena as duas características essenciais da codificaçom oficialista do galego, as quais tenhem vindo a contribuir significativamente para a regressom terminal que hoje sofre o nosso idioma: trata-se do verbete de lema “lagostino”. Referimos a seguir os factos fundamentais. No mar da plataforma continental da Galiza e de Portugal vive um crustáceo decápode (de dez patas) macruro (com o abdómen longo) e reptante (habitante do leito marinho) de cerca de 20 cm de comprimento, de carapaça robusta de cor rosada e com o primeiro par de patas dotado de pinças fortes, o qual detém notável interesse comercial e culinário. Este crustáceo, cujo nome científico é Nephrops norvegicus, e que no cast. de Espanha é conhecido como cigala, recebeu tanto no galego-português de Portugal como no da Galiza a denominaçom autóctone genuína lagostim, devido a que, no aspeto geral, pode assimilar-se a umha lagosta pequena. Aqui, sobre a base lagosta, foi adicionado o sufixo diminutivo -im, um tanto produtivo no léxico patrimonial gal-port. (ex.: bala &gt; balim, flauta &gt; flautim, forte &gt; fortim, sela &gt; selim [da bicicleta]), e que também pode surgir (mesmo em popularismos galegos) com valor relacional (ex.: galopim, matachim, pescantim). Ora bem, os dicionários galegos, junto com a genuína lagostín, e junto com a castelhana *cigala, no séc. XX registam, sobretodo, as formas variavelmente interferidas *lagostino, *langostino e *langostiño, induzidas pola penetraçom e difusom na Galiza do cast. langostino. É importante termos em conta que o langostino castelhano designa um crustáceo decápode diferente do lagostim galego-português, pois aquele (Penaeus kerathurus) é umha espécie nadadora, de tipo gamba, de cor cinzenta-verdosa e sem pinças. Apesar de o P. kerathurus ter presença em águas portuguesas, ele tem estado historicamente ausente do mar da Galiza, polo que o galego espontáneo nunca chegou a gerar-lhe qualquer denominaçom vernácula, e hoje, portanto, devemos habilitá-la por via erudita: gamba-manchada ou camarom-grande, de harmonia com o gal-port. de Portugal. O langostino castelhano designa um crustáceo decápode diferente do lagostim galego-português O que figérom aqui os codificadores oficialistas? Reparemos no verbete “lagostino” do DRAG: em primeiro lugar, eles nom restauram em plenitude para o galego a forma lagostim, e validam a castelhanizante *lagostino (!). Para isto, tenhem de desprezar a referência do português e ignorar que, embora em cast. -ino poda funcionar como sufixo diminutivo patrimonial, em gal-port. nom pode (cf. cast. cebollino = gal-port. cebolinho; cast. palomino = gal-port. pombinho), umha vez que tal sufixo apenas apresenta na nossa língua um valor relacional em cultismos (ex.: baldaquino, paladino; marroquino). Além disso, a RAG, tolerante com a castelhanizaçom dos falares populares, dá aqui como válida em galego também *cigala, embora com a advertência «forma menos recomendable» (!). E a castelhanizaçom, infelizmente, nom fica por aqui: o DRAG, em vez de cunhar (de harmonia com o português) um neologismo para denotar P. kerathurus, ao lagostim galego ela nesciamente atribui também a designaçom do langostino castelhano (2.ª aceçom de “lagostino”)! Mas, entom, se o amável leitor for a um restaurante de Vigo e pedir, em galego, umha dose de lagostin(o)s, o que vai entender o empregado: lagostins (N. norvegicus) ou gambas-manchadas (P. kerathurus)?! É preciso, aliás, padecer algum grau de deficiência intelectual para nom ver que a redaçom do artigo lexicográfico em foco conduz a aporia, porque a única maneira de o galego oficialista mostrar aqui eficácia designativa consiste em usar a «forma menos recomendable» e recorrer, de facto, ao esquema cast., i. é, *cigala ‘N. norvegicus’ + *la(n)gostino ‘P. kerathurus’. Codificaçom oficialista Constatamos assim que no artigo “lagostino” do DRAG transparecem as duas características essenciais da codificaçom oficialista: brutal castelhanizaçom (neste caso, ortográfica, morfológica e lexicossemántica) e intensa dis- ou subfuncionalidade. Nesta linha, repare-se na Galipedia: como os seus redatores sofrem a superstiçom espanhola de considerar o dicionário da RA(E/G) palavra de Deus, eles seguem, à risca, o descabelado diktat oficialista: ao lagostim dedicam o artigo “lagostino”, e à gamba-manchada, o artigo “lagostino mediterráneo” (!). Problema: a gamba-manchada nom é um lagostim, e ela nom se restringe ao Mediterráneo: trapalhada! Duas questons finais: um poder político-económico favorável ao galego colocaria a codificaçom do idioma nas maos de académicos que confundem lagostins e gambas-manchadas? O galego pode ser hoje veículo de comunicaçom social, quando, na sua versom oficialista, nom distingue entre um lagostim e umha gamba-manchada?