O cessar-fogo, o hastear da bandeira

Um amável leitor do artigo que publiquei neste jornal no passado mês de outubro comentou-me que concordava comigo em que a soluçom do DRAG *alto o fogo representa a servil imitaçom de um particularismo castelhano, mas que, ao mesmo tempo, a soluçom luso-brasileira cessar-fogo, por nós recomendada para o galego (e, de facto, requerida polo princípio codificador 4.º da RAG=ILG [pág. 12 das NOMIG]!), lhe parecia "estranha", polo que preferiria alternativas do tipo cessamento, ou cessaçom, do fogo. A esse leitor, entom, esclarecim umha questom de morfologia que, pola sua importáncia para o galego culto, julgo de grande interesse também explicar aqui. Em contra da apreciaçom desinformada –ou só informada polo castelhano– do nosso atento leitor, o substantivo neológico luso-brasileiro o cessar-fogo nom é nada "estranho" e encaixa com perfeita idiomaticidade em galego. Assim é porque, sendo baseado num infinitivo substantivado, ele foi forjado mediante um expediente morfológico (conversom) já bem atuante no galego tradicional (o amanhecer, o falar, o jantar, o olhar, o vagar, etc.), recurso que as variedades lusitana e brasileira do galego-português tenhem reforçado grandemente na língua culta e moderna. O idioma autóctone da Galiza partilha com o luso-brasileiro a quase totalidade do léxico basilar, como 'cessar' e 'fogo' Dado que o idioma autóctone da Galiza partilha com o luso-brasileiro a quase totalidade do léxico basilar (como cessar e fogo!) e a gramática fundamental (como o infinitivo flexionado), revela-se natural e vantajoso que, em galego, para evitarmos a sua dissoluçom no castelhano, também ponhamos em prática tal expediente morfológico na habilitaçom da língua culta. Desse modo, de harmonia com o luso-brasileiro, em galego utilizaremos com freqüência infinitivos substantivados para denotar açom, quer num regime de exclusividade, como o desenrolar [da batalha, da história, da reaçom...] (desenrolo é muito raro), quer em concorrência com substantivos derivados, como o acumular (= acumulaçom), o arrastar (= arrastadura), o barbear (= barbeaçom), o decorrer (= decurso), o eclodir (= eclosom), ou o cessar (= cessaçom, cessamento), o qual integra cessar-fogo. Umha outra importante regra morfológica que devemos aplicar ao galego culto, se o quigermos libertar da tutela do castelhano e se o quigermos potenciar através da sua sintonia com o luso-brasileiro, é esta: salvo nos casos (muito excecionais) de o achado e o traçado, nunca utilizaremos em galego um particípio como substantivo para denotar açom ou processo, porque o castelhano é a única língua románica que o fai, e porque o luso-brasileiro nom o fai (nem o catalám, nem o francês, nem o italiano). Assim, nos muitos casos em que o castelhano emprega particípios substantivados para indicar açom e efeito, em bom galego devemos recorrer a derivados formados com diversos sufixos (ex.: cast. el acabado = gal. o acabamento, el barnizado = a envernizadura, el hilado = a fiaçom, el lavado = a lavagem, el revelado = a revelaçom, el secado = a secagem, el sellado = a selagem), ou, entom, a um infinitivo substantivado, como antes vimos (ex.: cast. un afeitado [muy apurado] = gal. um barbear [bem escanhoado]). Portanto, para obtermos substantivos deste tipo em galego, temos de consultar um bom dicionário luso-brasileiro. Duas malícias Precisamente, um texto breve cuja idiomaticidade se vê estragada por ignoráncia desta regra morfológica é o anúncio publicado na imprensa no mês passado pola Via Galega, a comemorar o CV aniversário da I Assembleia Nacionalista. Neste anúncio, aliás redigido num galego muito digno ("Do 13 ao 18 de novembro exhibe a bandeira galega en xanelas, varandas..."), a legenda principal proclamava "Actos de Izado da Bandeira", aí surgindo, infelizmente, um rangente particípio substantivado à castelhana, para indicar açom. Aqui, um galego genuíno teria incluído um derivado sufixado (Içamento) ou, com recurso a um verbo sinónimo e ao seu infinitivo substantivado, a castiça fórmula "Atos do Hastear da Bandeira". Para findarmos esta peça sobre regras morfológicas do galego, duas malícias. Que burrinhos som os codificadores oficialistas!: validam e promovem a forma castelhanizante *poñer, mas, depois, graças ao infinitivo substantivado galego-português, eles venhem ao rego e sempre usam o sol-pôr (= o pôr do sol), e nunca *o solpoñer! Às 8.56 (hora colonial) do 6 de novembro de 2023, durante a sua intervençom lida no programa Galicia por Diante da Rádio Galega, um catedrático galeguista dixo, em vez de cessar-fogo, *alto o lume! Vaites, com catedráticos galeguistas como este, o dicionário da RAG vai parecer lusista!