Opinión

Ópio do povo?

A semana passada comentava a afirmação dogmática e demagógica de que a religião é “uma fonte extraordinária de estupidez”, que não trouxe ao mundo mais que males. Entre os comentários que gerou o artigo em contra e a favor, saliento dois: um contundente, mas sem argumentações: “Todas as relixións son un atraso, todas sen excepcións. O triunfo da irracionalidade, unha rémora na evolución da humanidade”. E outro que respondia ao anterior: “Negar a espiritualidade humana ou a relixión -que é a espiritualidade en dimensión colectiva- é mutilar a natureza humana, non evolucionala”.

No debate não saiu a conhecida argumentação de Marx de que “a religião é o ópio do  povo”, mas sim a de Nietzsche de que “a fé cristã é... o sacrifício de toda liberdade, de toda independência do espírito”. Verbo da primeira, já tenho escrito que a frase de Marx há que situá-la no seu contexto: “A miséria religiosa é a expressão da miséria real e a protesta contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, a alma dum mundo sem coração, o espírito das situações sem espírito”(Contribuição à crítica da Filosofia do Direito em Hegel). Mas concordo com um marxista atual: “Marx teria que admitir hoje que na religião [há]... uma vertente positiva, libertadora, representada pela presença do cristianismo moderno em teorias e práticas progressistas, nas lutas contra a opressão” (Antología sistemática de Marx).

Voltando a Nietzsche, a sua afirmação dos “fortes, os independentes, preparados e predestinados a dominar”, choca evidentemente com as palavras de Jesus de Nazaret em defesa dos direitos dos débeis, os pobres e os assovalhados. O evangelho deste domingo passado (Mc 10, 46-52) falava do cego Bartimeu, que estava à beira do caminho excluído por inútil; é curado por Jesus porque confia nele, mentres outra muita gente segue cega, por não ver a sua própria miséria e a dum mundo que está na obscuridade. Jesus troca essa escala de valores na qual Deus rejeita o defeituoso. Nietzsche não pôde suportar esse câmbio, porque cria que o evangelho exaltava a mesquindade, e não pôde descobrir o valor do ser humano apesar das suas limitações, ainda que ele também as tinha.

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