Opinión

Os problemas de Putin

O presidente russo Vladimir Putin está a ter sérios problemas, não só com a guerra, mas também nas relações internacionais e na gestão política interna. Obviamente que isso não é algo que ele reconheça abertamente, mas pode ser facilmente detectado por qualquer observador da política internacional e pelas informações que daí nos chegam, que suponho serem em parte tendenciosas a favor do Ocidente, mas só em parte porque nos chegam através das suas próprias declarações e de informações provenientes de órgãos de comunicação social pouco interessados em tomar partido nesta guerra, como alguns brasileiros ou de outros países da América Latina. 

O primeiro grande problema que parece ter é com a Polónia, à que acusa de reivindicar o antigo território polaco no que é hoje a Bielorrússia. Num discurso em que estrategicamente "esquece" que a Polónia foi invadida pela União Soviética em 1939, no âmbito dos pactos soviético-nazis desse ano, Putin ameaça os polacos caso estes queiram atacar a república irmã da Rússia. Embora os polacos possam sentir uma certa dose de medo com a presença de tropas wagnerianas a treinar no exército bielorrusso, num excelente exemplo de privatização do sector público (e por certo não criticado pelos críticos do neoliberalismo desenfreado), parece pouco provável que os polacos iniciem um conflito que só lhes pode trazer problemas. O que indica que existe um problema é o facto de Putin entender que os polacos podem atrever-se a atacar um aliado russo. Putin teria de estar muito enfraquecido militarmente, e é legítimo supor que os serviços secretos polacos sabem disso, para pensar em tal coisa. O simples facto de os ucranianos terem respondido à ameaça da Rússia de restringir o comércio de cereais ameaçando da mesma forma aos navios de carga que entram nos portos russos também nos diz algo semelhante, dado que, no ano passado, os ucranianos não ameaçaram com retaliações e, se o fizessem, não seriam levados a sério. Também não parece estar a sair-se muito bem na questão das sanções, uma vez que as suas propostas para a retoma do comércio de cereais incluem o levantamento das sanções comerciais ou a reintegração dos seus bancos no mecanismo interbancário swift, algo que fora recebido com escárnio nessa altura.

No domínio da dissidência interna, Putin também não parece estar muito satisfeito. Já não é um líder tão incontestado como outrora. Não só devido ao caso Prigozhin, mas também devido à detenção de dissidentes ultranacionalistas como Girkin, o antigo herói de Dontesk, ou à demissão do General Popov, o que provaria que a revolta de Wagner tinha mais apoio do que parecia. Teremos de esperar que o general Surovikin regresse das suas longas férias, suponho que nalgum lugar sombrio para escapar ao calor da estepe russa, para nos dizer o que aconteceu na revolta. Entretanto, para manter o moral, o exército russo está a fazer o que sabe fazer melhor, bombardeando civis e destruindo edifícios como a Catedral de Odessa. Desta forma, conseguirá conquistar a vontade dos ucranianos oprimidos, para que estes queiram regressar à grande pátria dos czares. 

Mas o mais impressionante é a reunião dos Brics na África do Sul. Cria-se uma organização contra o globalismo dos EUA e depois não se é autorizado a participar. Já é má sorte. O presidente sul-africano Ramaphosa, confrontado com o dilema de irritar os russos ou os imperialistas ocidentais, não hesitou em agradar aos últimos, o que diz muito sobre o papel futuro da Rússia como líder global e sobre a credibilidade do seu presidente. Os membros do Brics continuarão a preferir o dólar imperialista por um pouco de tempo mais. Simplesmente por precaução, pois o seu investimento nessa moeda poderia ser ruinoso de continuar os "pequenos problemas" de Putin.

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