Opinión

A nova desordem mundial e os Brics

O prematuramente falecido Nuno Monteiro investigou, a partir da sua cátedra em Yale, as diferentes configurações que a política internacional pode oferecer, se unipolar, bipolar ou multipolar. Legou-nos um excelente tratado na nossa língua, Teoria da Política Unipolar, no qual explica que tal modelo, caracterizado por um ator dominante, e apesar das suas deficiências, tende a criar um mundo politicamente mais estável e com menos conflitos.

Este modelo está a ser questionado na teoria, quase sempre proveniente de autores russos como Aleksander Dugin ou o seu discípulo Leonid Savin, e depois adotado na visão estratégica do regime de Putin e Medvedev (que foi um dos primeiros a adotar estas teorias), que defende um modelo multipolar em que um dos pólos é o espaço europeu, a que chamam espaço euroasiático. Mas também é questionado na prática política, neste caso em termos da emergência de novos pólos de poder derivados do crescimento económico de potências como a China e a Índia, que poderiam substituir não só a hegemonia militar, mas também a hegemonia económica sobre o império norte-americano e os seus parceiros da NATO. É sabido que na esfera das relações internacionais uma mudança na capacidade económica de um Estado logo se traduz numa mudança no seu estatuto político, pelo que o maior peso económico dos chamados Brics, desde o alargamento deste ano, está sem dúvida a transformar-se numa mudança nas relações internacionais de poder, pondo em causa o mundo unipolar.

Mas este fenómeno ocorrerá enquanto os novos atores forem capazes de agir de forma coordenada e não houver deserções entre eles e não se aliarem ao império, o que é algo muito provável de acontecer, se é que já não está. Paradoxalmente, o seu alargamento a países muito díspares como a Etiópia, o Irão e a Arábia Saudita parece funcionar mais a favor de uma ação descoordenada do que concertada e pode, portanto, reforçar as atuais potências imperiais em vez de as enfraquecer. Não só pelos problemas que este alargamento está a causar no que respeita à criação de um banco de desenvolvimento dos Brics, incluindo um fundo de reserva para crises, em primeiro lugar porque as situações económicas destes países são muito diferentes e, portanto, a sua capacidade de contribuir para o novo banco também é muito diferente, o que irá sem dúvida gerar assimetrias de poder entre eles e obrigar a estabelecer algum tipo de condicionalidade nos créditos e ajudas (algo que na altura constituiu a separação destes países do FMI e do Banco Mundial, que estão subordinados aos interesses imperiais). Depois, na mesma linha, a criação de uma moeda Bric, baseada no ouro, poderia criar graves distorções entre os sistemas monetários muito diferentes dos Brics, obrigando ao estabelecimento de sistemas monetários duplicados, um para consumo interno e outro para o novo sistema, com a consequente perda de soberania monetária.

Mas é no domínio da guerra e da política internacional que estas contradições são mais evidentes. Desde o seu aparecimento na cena internacional, como previu o defunto Professor Monteiro, o número de conflitos não para de aumentar. Mas o problema é que muitos desses conflitos, como os induzidos pelo Irão, com ataques ao Baluchistão paquistanês incluídos, e os seus parceiros, não afetam só o comércio dos países ocidentais. O encerramento do canal do Suez afeta-nos certamente, mas também afeta a países Brics, como a China e a Arábia, que exportam os seus produtos para o Ocidente através do canal do Suez. Não creio que seja fácil harmonizar os seus interesses, pelo que não prevejo grande futuro para essa parceria, para além da retórica antiocidental. Receio que, mais cedo ou mais tarde, sigam o destino dos seus antecessores não-alinhados.

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