Opinión

O euro e a nação galega

No sábado passado, Xacobe Ferreiro, colaborador deste nosso jornal convidou a minha professora Dra. Maria do Carme Garcia Negro e a minha colega a professora Maria Bastida para um interessante debate sobre os 25 anos do euro. Gostei muito das duas posições, que, embora por razões diferentes, partilham um certo ceticismo em relação à moeda da União Europeia. Ceticismo que eu também partilho. Mas a análise doas duas professoras, como a maioria dos estudos que estou a ler nestes dias sobre o aniversário do euro, centra-se, como é esperável, nos aspectos económicos da moeda, nas suas consequências na vida quotidiana ou na economia galega, e evitam-se os aspectos políticos ligados à criação de tal moeda, especialmente os que se referem à questão nacional no âmbito europeu, e aí reside um dos aspectos que deveria ser essencial em qualquer análise.

Quando se decidiu substituir o velho Mercado Comum (que foi ele a verdadeira causa da paz e prosperidade dos povos da Europa Ocidental contemporânea), por essa superestrutura burocrática chamada União Europeia (o monstro gentil de Bruxelas, como lhe chamou num livro de ensaio o defunto Hans Magnus Enzensberger), e que, ao contrário da anterior, sim pretende criar um grande Estado europeu que acabe com as velhas soberanias, optou-se por fazer a integração por meios económicos e não políticos. Conhecedores da capacidade da moeda para criar identidades culturais, decidiram utilizá-la para criar uma base nacional que legitimasse o futuro mega-Estado europeu. A outra grande estratégia para a dissolução das velhas nações é o Erasmus, que, tal como o antigo serviço militar, os espanhóis e os franceses tinham essa tarefa, procura retirar os jovens do seu ambiente, desenraizá-los, para que lhes seja mais fácil (ou não tenham outra hipótese) adquirir uma identidade europeia. 

A utilização da nova moeda, sobretudo se for física e não eletrônica, ao permitir viajar e pagar em diferentes países, contribui para diluir as diferenças entre os diferentes Estados europeus, anteriormente emissores da sua própria moeda, e é, portanto, contra estas identidades nacionais que o novo regime é concebido, contribuindo para criar um sentimento comum de comunidade política. Se o modelo for bem sucedido e este sentimento surgir, será o momento de avançar para as fases seguintes da integração política, por enquanto frenadas pelo fracasso da Constituição Europeia e pelos sentimentos negativos suscitados pela má gestão política da crise económica de 2008, em que muitos países foram abandonados, se não mesmo condenados, pelas instituições da UE. A prova é que ainda não conseguimos adaptar a nova moeda ao nosso imaginário cultural, como fizemos com o sistema monetário espanhol, que utilizávamos com as nossas próprias denominações, como pesos, cans, cadelas ou o mítico patacón, que só se conserva com parecido nome em antigas colónias portuguesas, como Macau.

Mas os engenheiros sociais europeus esqueceram-se de uma cousa. A moeda cria identidade, mas a identidade também cria moeda. O marco era respeitado porque era a moeda dos alemães ou o franco por serem a dos franceses e o seu valor era influenciado, positiva ou negativamente, pelas características nacionais de cada povo. O euro é hoje a moeda dos europeus, mas essa identidade ainda está por descobrir e é, no mínimo, incerta, o que também se pode ver na valorização simbólica e do mercado do euro por parte dos agentes económicos fora do nosso espaço. E isso também ainda está por descobrir.

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