Opinión

A direita espanhola desintegra a Espanha

Um antigo livro do escritor "pequeno inglês" Gilbert K. Chesterton, A esfera e a cruz, narra a relação conflituosa entre um ateu e um crente, que passam uma boa parte do livro a discutir amargamente a existência de Deus e assuntos afins. No final, tornam-se amigos, porque se apercebem que são os únicos que levam o debate a sério e que levam a sério os argumentos um do outro. O resto das pessoas nem sequer se interessam pelo debate ou consideram-no sem importância e fazem a súa vida ignorando-o. Algo semelhante acontece com as direitas hispanas, sejam estas as espanholistas ou as nacionalistas, que, apesar de terem uma grande maioria no parlamento espanhol, não conseguem chegar a um acordo para formar governo. A causa desta divisão é óbvia: estão divididos quanto à questão nacional, a que todos dedicam a maior atenção. Ao contrário das esquerdas, que conseguem pôr a questão nacional em segundo plano e concentrar-se na execução dos seus programas, a questão nacional continua a ser o tema mais importante no mundo da direita, embora a partir de posições antagónicas.

O que não é de estranhar, pois quem conhece minimamente o pensamento conservador do tipo de Robert Nisbet, Russell Kirk ou Erik von Kuehenelt-Leddihn, o que é algo estranho hoje em dia, sabe que o tema nacional está sempre presente nos seus escritos, embora a partir de posições muito diferentes das da direita espanholista, que não parecem ir buscar às súas fontes teóricas no tradicionalismo ou do conservadorismo, mas sim no jacobinismo ou no seu herdeiro intelectual, o liberalismo hispânico, o mesmo de "La Pepa", o da expropriação dos bens da Igreja por Mendizábal e o do desenho provincial de Javier de Burgos. Por uma estranha alquimia, talvez fruto do trabalho de síntese ideológica de Cánovas, a velha esquerda liberal foi-se transformando ao longo do tempo, passando pela própria experiência jacobinista no nacional do franquismo, na atual "direita espanhola" dominante (que não merece realmente esse nome, pois continua a ser uma sorte de social-democracia moderada), que esquece que as suas verdadeiras raízes estão no tradicionalismo hispânico muito descentralista e foralista, cuja expressão política foi o carlismo e do qual si que descendem as atuais forças nacionalistas. No caso do Vox, quando se trata da questão nacional, a incoerência é ainda maior, pois compreende perfeitamente os princípios conservadores quando aplicados à União Europeia, mas parece não o fazer quando se refere à esfera hispânica. Mas os estragos já foram feitos e é agora impossível para as direitas hispânicas chegar a qualquer acordo, a não ser que seja um impulsionado pelo desejo comum de derrubar o atual presidente Sánchez, que embora por razões diferentes é a única coisa que os pode unir. Sociologicamente, os eleitores da direita nacionalista e da direita espanholista têm o mesmo perfil social e a mesma forma de entender o mundo, e até partilham uma forte lealdade nacional, embora cada um para seu lado, o que, somado à falta de jeito da direita estatal ao se afastar das suas raízes ideológicas, leva à estranha circunstância de a esquerda e a extrema-esquerda estarem a governar depois de resultados em que os direitistas foram os mais votados. Chesterton é famoso não tanto pela qualidade da sua literatura, mas pela sua forma de raciocínio baseada em paradoxos. A direita centralista, com a sua incompreensão do problema nacional, contribui para a desintegração, enquanto a esquerda, que aparentemente atribui menos importância à Espanha, é a que verdadeiramente a une, e com o aplauso dos independentistas o qual é outro estranho paradoxo.

 

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