Viagem ao interior de uma prisão pró-russa

Às vezes, a força de uma imagem não está na ação mas na falta de ação. À minha frente, estão centenas de homens com o mesmo uniforme, de pé, de mãos atrás das costas e de olhar posto no chão. O silêncio é absoluto. Há quem tenha um olhar derrotado, há quem tenha um olhar desafiante. O sol marca presença no pátio deste cárcere da região de Lugansk mas o frio é cortante. Em qualquer parte do mundo, uma prisão é uma prisão e, nesta manhã de inverno, neste emaranhado de muros e portões, os prisioneiros de guerra ucranianos sabem que não têm prazo de saída. “Sinto a vossa falta”, afirma Ivan Mucha quando questionado se quer deixar uma mensagem à família que não contacta desde 12 de abril de 2022. Nesse dia, foi capturado pelas forças russas em Mariupol. Este soldado de carreira das Forças Armadas do Corpo de Fuzileiros Navais da Ucrânia fazia parte de uma unidade de reparação e aguarda agora por uma troca de prisioneiros que o devolva à liberdade para abraçar os seus familiares em Nikolayev. “As condições são aceitáveis. Fornecem-nos três refeições por dia, cuidados sanitários, banho, lavandaria e outras condições”, descreve. Os tanques russos atravessaram a fronteira há um ano Para entrar na prisão, tenho de atravessar vários portões que se fecham atrás de mim até poder chegar a este pátio. Em cada rosto, há uma história diferente. Alguns são soldados profissionais, outros mobilizados e também há quem seja voluntário. O que todos têm em comum é terem sido capturados pelas forças russas. Combateram por Kiev e acabaram aqui. No pátio, as autoridades permitem que entreviste prisioneiros à minha escolha. Não tenho muito tempo. Faço-o consciente de que qualquer prisioneiro, de um lado ou do outro, está condicionado pelas circunstâncias em que se encontra. Para fazer esta reportagem, não posso identificar a localização deste estabelecimento prisional. As autoridades pró-russas acusam a Ucrânia de ter bombardeado a prisão de Elenovka, onde morreram cerca de meia centena de prisioneiros ucranianos na noite de 29 de julho de 2022, justificando assim o secretismo sobre a localização do cárcere. Donetsk, há nove anos em guerra Muitos destes presos estão aqui há quase um ano e muitas famílias não sabem sequer se estão vivos ou mortos. Desde que foram capturados, nunca mais puderam comunicar com o exterior. À espera de uma solução que lhes tire daqui, uma troca de prisioneiros ou o fim da guerra pode ser a chave para voltarem a ver os seus familiares. Taras Belousov, por exemplo, foi capturado em julho de 2022. Foi mobilizado a 24 de março, quando começou a intervenção russa, e diz que pretende regressar a casa e voltar a trabalhar. “Quero viver como antes”. "Mãe, olá. Estou bem. Sinto muito a tua falta e espero encontrar-me contigo em breve. Amo-te muito", diz um jovem Já Dmitry era comandante de uma unidade da marinha ucraniana. É outro dos muitos capturados em Mariupol. Também está preso desde abril do ano passado e o que mais deseja é voltar a ver os seus familiares em Berdyansk, na região de Zaporozhye. “Quero que a minha família saiba que estou vivo e bem. E espero estar de volta a casa em breve”, afirma. Questionado sobre as condições da prisão, escolhe dizer que são “normais” e que não tem nada de que se queixar. Também espera uma troca mas não faz qualquer ideia sobre onde andará a sua família. “Não faço a menor ideia. Eles podem ter-se mudado”, exclama. Acerca da guerra, defende que quer que “tudo acabe em breve”. As instalações prisionais Os prisioneiros dormem em camaratas com aquecimento. Quando entro neste pavilhão, posso ver alguns dos pertences destes homens dispostos aos pés de cada uma das camas. Há quem esteja a ler a biblia, outros lêem policiais. Também aqui há uma biblioteca com várias prateleiras devidamente organizadas por seções. Acompanhado pelas autoridades, percorro as diferentes instalações deste complexo presidiário. No centro de saúde, vários prisioneiros com feridas de guerra recebem tratamento sob a supervisão de uma médica do centro penitenciário. Há várias salas, uma delas com diferentes equipamentos de imagiologia e um consultório de estomatologia. Bruno Carvalho, correspondente de 'Nós Diario' no Dombass: "Esta guerra vai ser estudada pela quantidade de propaganda" Lá fora, várias colunas fazem soar algumas canções russas enquanto vários guardas conversam. De repente, soa o hino da União Soviética, enquanto ali ao lado, ainda no pátio, os prisioneiros ucranianos esperam pela chamada para almoçar. Quando se dirigem para a cantina, avançam apressados, um a um. É hora de almoço. Não se ouve uma única voz na fila para recolher os pratos. Numa mesa, vários destes homens, com feridas de guerra, são servidos pelos próprios companheiros. Depois de almoço, levam-me a uma sala e posso falar com um dos prisioneiros que nos conta a sua história. Não estamos sozinhos. É muito jovem e, perante o olhar das autoridades, Mikhail Nikolaevich defende o fim da guerra e a vitória da Rússia. Foi capturado a 5 de março do ano passado. No fim da conversa, pergunto a um dos responsáveis da prisão se este jovem pode deixar uma mensagem à família. Antes de ouvir a resposta, o jovem pede por favor e quando é autorizado a fazê-lo não consegue evitar a emoção. Com a voz embargada, tenta falar. “Mãe, olá. Estou bem. Sinto muito a tua falta e espero encontrar-me contigo em breve. Amo-te muito”. Radiografia Os territórios de Lugansk, onde se encontra a prisão visitada, e Donetsk, na região do Donbass (Foto: Nós Diario). Na linha da frente, as peças movem-se como num tabuleiro de xadrez. Cada vez mais pressionados pelas forças russas, as autoridades ucranianas dão sinais de ceder na zona do Donbass. Apesar do aumento contínuo do número de reservas enviadas para este caldeirão, a Rússia continua a avançar lentamente. Com as temperaturas cada vez menos frias, é mais difícil mover tropas e carros de combate por caminhos e terrenos lamacentos. Ainda assim, Volodymyr Zelensky admitiu que as tropas de Kiev poderão ter de abandonar Artyomovsk (Bakhmut) perante o avanço diário dos homens do Grupo Wagner. Mais a norte, já no oblast de Kharkov, a própria administração militar da região ordenou a retirada obrigatória das famílias com filhos e residentes com mobilidade reduzida em Kupiansk. Na quinta-feira, um grupo de russos residentes na Ucrânia que combate por Kiev sob o nome de Corpo de Voluntários Russos atacou uma pequena localidade na região de Briansk, Federação Russa, disparando sobre civis e edifícios. Vladimir Putin acusou este grupo de cometer atos de terrorismo contra a população. É mais escalada numa guerra que se prevê longa sem qualquer fim à vista, apesar do encontro entre Sergei Lavrov e Anthony Blinken à margem da cimeira do G-20, onde tanto Moscovo como Pequim recusaram assinar a declaração final por discordarem dos tópicos que referiam a guerra na Ucrânia.