Marielle Franco, um crime político perpetrado com balas policiais

Policiais são principais suspeitos do assassinato da vereadora Marielle Franco ao confirmar-se que as balas utilizadas pertenciam aos agentes de segurança. 

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photo_camera Imagem dum protesto pelo assassinato de Marielle Franco [tirada do FB de Jandira Feghali]

O resultado das investigações sobre o assassinato da vereadora de Rio de Janeiro, Marielle Franco, e do seu motorista, Anderson Pedro Gomes, na noite da passada quarta feira 14 de março, aponta para uma execução planejada e indica que são balas de 9mm compradas pela Polícia Federal em Brasília em 2006, disparadas por um atirador profissional com uma arma comum da Polícia Militar (PM). Estes dados dão mais força às hipóteses de que se trata de um assassinato político perpetrado por agentes de segurança. 

A execução da ativista de 38 anos causou comoção dentro e fora do país. Nascida e criada no complexo de favelas da Maré, considerada uma das regiões mais violentas da cidade fluminense, Marielle Franco foi assassinada a tiros junto ao seu motorista, Anderson Pedro Gomes, de 39 anos, no bairro do Estácio, região central do Rio de Janeiro, poucos dias depois de ela ter condenado publicamente a brutalidade militar nessa mesma cidade. Neste contexto, as hipóteses apontam diretamente a um assassinato político

E é que quinze dias antes do crime, o 28 de fevereiro Franco foi nomeada relatora da comissão que acompanhou a Polícia Militar no Rio de Janeiro para vigiar a atuação das tropas encarregadas da intervenção militar. Dias depois, 10 de março, Franco denunciava nas redes sociais a violência policial em Acari, bairro situado na parte norte do Rio de Janeiro, com as seguintes palavras: “O que está acontecendo agora em Acari é um absurdo! E acontece desde sempre! O 41º batalhão da PM é conhecido como Batalhão da morte. CHEGA de esculachar a população! CHEGA de matarem nossos jovens!”.

 

Após três dias, 13 de março, Marielle escreveu uma nova denúncia nas redes sociais: “Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”. No dia seguinte, 14 de março, Marielle e seu motorista, Anderson, são executados a tiros no seu carro no centro da cidade. 

A sua voz era a voz do povo. Uma figura pública que incomodava. Marielle Franco foi uma política revolucionária que se tornou a voz das pessoas desfavorecidas da favela (quase um quarto da população do Rio de Janeiro). Era conhecida e reconhecida por seu trabalho social, por realizar atividades ligadas às causas negras e da mulher, e por ser crítica da intervenção federal no Rio de Janeiro e denunciar abusos da autoridade por parte de policiais contra pessoas moradoras de comunidades carentes. Nascida e criada na comunidade da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, formou-se em Ciências Sociais com bolsa ao 100%. Socióloga, feminista, militante dos direitos humanos e política afiliada ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Franco foi eleita vereadora do Rio de Janeiro na eleição municipal de 2016 com mais de 45000 votos, sendo a quinta pessoa mais votada. Especialista em violência policial, Marielle estava em seu primeiro mandato no cargo. 

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Os protestos pela execução da vereadora continuam ocupando as ruas em todo Brasil ao abrigo do lema #MARIELLEPRESENTE. Milhares de pessoas despediram-se de Marielle Franco e Anderson Gomes em manifestações marcadas pela solidariedade, a indignação e a dor para pedir justiça, para denunciar a brutalidade do poder policial, para exigir o fim da intervençao militar no Rio de Janeiro e para acabar com o racismo e o machismo nas instituções. Neste contexto, coletivos e grupos sem fins lucrativos como Redes na Maré (com base na favela onde Franco cresceu), descreveram o assassinato da vereadora como “uma perda irreparável”.

Entre outras muitas pessoas que mostraram sua solidariedade, a deputada federal do Partido Comunista do B-RJ e vice-líder da minoria na Câmara, Jandira Feghali, numa concentração pública perante a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) ocorrida o 15 de março, declarava: “Marielle morreu porque ela sintetizava as três grandes opressões deste país: a opressão de classe, a opressão de gênero e a opressão de raça. Quem matou Marielle? Este crime foi político. E crime político não se responde individualmente, crime político se responde coletivamente. Não podemos esquecer. É luta permanente. É Marielle presente o tempo inteiro. Nós não queremos mais terrorismo!” . Vïdeo disponíbel aquí.

A morte de Marielle não é um caso ilhado. A execução de Marielle Franco agrega uma morte mais que situa o Brasil num país perigoso para ativistas de esquerda e que coloca o foco sobre a sua delicada situação após golpe de 2016. Inestabilidade política e violência extrema que não para de crescer desde o fim dos Jogos Olímpicos (2016) e desde o Impeachment que colocou automaticamente como presidente a Michel Temer e que levou ao Brasil a um preocupante retroceso democrático marcado pelos recortes e por uma austeridade realmente assustadora. 

Dados mostram uma realidade cruenta desde a chegada de Michel Temer ao poder. 

Segundo informação tirada de um levantamento feito pelo Congresso em Foco [com base em dados públicos, disponível aqui], desde 2016 no Brasil foram assassinados 36 vereadores e vereadoras. A estes dados soma-se outro comunicado publicado pelo coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (AAD) a 15 de março de 2018, intitulado “Considerações sobre os últimos acontecimentos no cenário nacional”, em que se denunciam diferentes ataques graves ao Estado Democrático de Direito no Brasil e em que também se recolhe uma listagem com mais de vinte nomes e sobrenomes de pessoas que foram sistematicamente assassinadas desde 2013 até a atualidade. Todas elas pessoas que faziam parte do ativismo político, sendo líderes comunitários, sindicalistas etc. 

Já Amnistia Internacional denuncia no Informe 2017/2018 o incremento da brutalidade policial no Brasil, bem como o aumento dos homicidios e assassinatos que afetam principalmente pessoas negras. Neste mesmo senso, o estudo feito pelo Atlas de Violência 2017 e lançado pelo IPEA mostra como de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. 

Com a finalidade de as palavras da vereadora não serem silenciadas, diferentes coletivos estão disponibilizando diversos estudos, palestras ou atos realizados por Marielle Franco. É o caso da Editora Zouk, que partilhou publicamente um dos últimos textos escritos por Franco, intitulado “A emergência da vida para superar o anestesiamento social frente à retirada de direitos: o momento pós-golpe pelo olhar de uma feminista, negra e favelada”, difundido aqui, publicado recentemente no livro Tem saída?, o qual reúne um conjunto de reflexões críticas feitas por mulheres sobre a situação do Brasil hoje. 

Articulam-se assim as primeiras palavras de Marielle Franco para este Tem saída?:

“O impeachment sofrido recentemente pela primeira presidente mulher brasileira foi uma ação autoritária, ainda que tenha se utilizado de todo arcabouço legal como justificativa. De um lado a presidenta, mulher, vista por parcela significativa da população como de esquerda. De outro lado um homem, branco, visto por parcela expressiva como de direita e socialmente orgânico às classes dominantes. A conjuntura brasileira, determinada pelo cenário do golpe, marca-se, para além da correlação de forças políticas, favorável às classes dominantes e seus segmentos mais conservadores. Principalmente por alterações sociais significativas na esfera do poder do Estado e no imaginário. Trata-se de um período histórico no qual se ampliam várias desigualdades, principalmente as determinadas pelas retiradas de direitos e as que são produto da ampliação da discriminação e da criminalização de jovens pobres e das mulheres, sobretudo as negras e pobres.  Este é um momento que asfixia o processo de democratização, aberto no fim da ditadura militar, e abre um novo cenário de crise, colocando desafios profundos para as esquerdas.”

Nota: na fotografia inserida no meio do texto aparece Marielle Franco num acto público decorrido o mesmo dia em que foi assassinada.

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