Fernando Pessoa, publicista da Coca-Cola

Um slogan de Fernando Pessoa introduziu a Coca-Cola em Portugal mas a bebida foi proibida no mesmo ano e não retornou até 40 anos mais tarde.

Fernado Pessoa
photo_camera Fernado Pessoa

Muitos escritores e artistas tiveram, em algum momento da sua vida, contacto com o mundo da publicidade. São bem conhecidos os casos de Picasso, Chagall, Kandinsky ou Luís Seoane com aquela etiqueta para Cinzano elaborada em 1952 em base a planos geométricos, ao mais puro estilo construtivista. 

Que artistas plásticos entrem no universo publicitário mesmo parece o natural. Poderíamos pensar que, face a essa naturalidade, já não é tão normal que o mundo da escrita literária participe dessas “vaidades” consumistas;  e, contudo, a listagem de escritores a elaborarem slogans publicitários é bastante elevada. Uns foram artífices, ideólogos e mesmo atores de anúncios publicitários: Paulo Coelho, por exemplo,  escreveu e recitou recentemente um anúncio para o gigante da informática  HP.  E a outros simplesmente se lhes atribuem frases que possivelmente nunca disseram, nem pensaram. É o caso de Gabriel García Márquez a quem se lhe atribui a frase: Yo sin Kleenex no puedo vivir com a que se lançaram ao mercado os lenços de papel em México. Também em México, Eulalio Ferrer, é conhecido pela famosa frase El Brandy que tiene el don, com a que se anunciava o brandy Don Pedro de Casa Domecq.  E poderíamos seguir.

A Coca-Cola em Portugal

A primeira vez que se serviu uma dose do que mais tarde teria o nome de Coca-Cola foi o 8 de maio de 1886. Pessoa ainda não nascera  e este xarope iniciava o caminho para se tornar no produto mundialmente conhecido que foi desde o final dos anos vinte do século passado. 

cocapessoaQuando a Coca-Cola chegou a Portugal a Moutinho de Almeida tinha a exclusiva da comercialização do produto proveniente dos USA. E era na Moutinho que trabalhava, na altura,  Fernando Pessoa que por essas datas já andava de volta de tanta heteronimia e já tinha dado mostras de ser uma pessoa pouco convencional, por mais que se ocupar da tradução de cartas comerciais. Ser poeta não constituía para ele profissão, mas vocação e, daí que considerasse a designação mais apropriada para ele se definir como “correspondente estrangeiro em empresa comercial” Foi assim que apareceu o primeiro anúncio da Coca-Cola em Portugal, mais de 40 anos após a bebida ser lançada nos USA. Mas o  o anúncio imaginado por Pessoa  acabou por ficar apenas no papel, não por razões comerciais mas  por razões políticas.
 
Primeiro estranha-se, depois entranha-se

Este foi o slogan de Pessoa para o lançamento publicitário da Coca Cola:  Primeiro estranha-se, depois entranha-se.  Mas houve um homem, Ricardo Jorge, diretor de Saúde de Lisboa, que impediu esse lançamento alegando que se do produto faz parte a coca, da qual é extraído um estupefaciente, a cocaína, então não podia ser vendida ao público. Se, contrariamente, o produto não tem coca, então anunciá-lo com esse nome é publicidade publicidade enganosa. Por um lado ou por outro seria sempre ilegal a comercialização da bebida com esse nome.

Ricardo Jorge entendeu que sob o conteúdo do slogan criado por Fernando Pessoa latejava o reconhecimento da toxicidade da bebida. Se primeiro se estranhava e depois se entranhava, isso é o que sucede com os estupefacientes: a primeira vez estranham e depois ficamos dependentes.

cinzanoA bebida foi proibida por mais que Pessoa recolhia perfeitamente a intenção da companhia e o slogan “transmitia bem não só a sensação que a bebida criava, mas também o génio do poeta já naquela época”.
 
A Coca-Cola acabou por não entrar em Portugal nesse ano por razões políticas e o slogan acabou por ficar apenas no papel e desconhecido do público. A bebida acabou por entrar em Portugal apenas depois do 25 de Abril, a 4 de julho -a data diz alguma coisa- de 1977. Nessa data  a Coca-Cola foi vendida pela primeira vez na Baixa Lisboeta numa garrafa de vidro de 0,2 litros.

E Pessoa nunca foi reconhecido como publicista

Uma versão deste texto apareceu publicada no número 170 do nosso semanário


 

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