Opinión

A liberdade liberal

A liberdade pode  ser  entendida  dum  modo  negativo,  como  ausência  de  impedimentos,  de  obstáculos  para  obrar,  que  se  traduz  à  linguagem  corrente  na  frase  "que  cada  um  faça  o  que  lhe  dá  a  ganha";  neste  sentido,  um  prisioneiro  não  é  livre  de  passear  de  passear  pola  cidade  e  o  escravo  está  submetido  ao  seu  amo.  Mas  esta  ausência  de  impedimentos  não  basta, como tampouco é suficiente a mera espontaneidade  no  obrar,  não  obrar  forçado,  senão  de  motu  próprio,  porque  neste  caso  teríamos que admitir que os animais e áuga do  rio  são  livres  porque  se  movem  espontaneamente, sem obstáculos. A ausência de coações  e  a  espontaneidade  são  condições  imprescindíveis  para  que  exista  verdadeira  liberdade,  mas  esta  deve  consistir  em  algo  positivo,  na  autodeterminação  para  eleger  entre diversas alternativas.

Toda  liberdade  implica  restrições  e,  portanto,  nunca  pode  ser  absoluta,  porque  a  minha  liberdade  termina  quando  começa  a  liberdade do outro. O projeto liberal situa estas coações na defesa da ordem pública, e na ausência de intervenção estatal na economia, além  de  sentir  urticária  perante  os  direitos  dos povos, para os que só oferece repressão. Por isso, o projeto de estado liberal é o dum estado  gendarme  e  um  estado  mínimo,  ou  seja, um estado que defenda a segurança dos cidadãos  e  que  deixe  fazer,  que  deixe  passar  na  economia,  porque  o  mundo  funciona  por  si  mesmo  devido  às  leis  do  mercado  que, como uma mão invisível, dirigem a ação dos  indivíduos  para  uma  ordenação  socio-econômica  óptima.

Os  liberais  defendem,  pois,  as  coações  que  são  imprescindíveis  para o seu projeto social e condenam as demais.  O  domínio  do  liberalismo  econômico  dos  dous  centos  cinquenta  anos,  creio  que  têm demonstrado suficientemente que o seu projeto  econômico  serve  para  incrementar  notoriamente a produção, mas à custa de desestruturar as sociedades, produzir enormes desigualdades sociais e negar todos os povos distintos do dominante. As leis invisíveis do mercado  operam  em  benefício  duns  poucos  e condenam à miséria à maioria social.

A liberdade como autodeterminação para escolher entre várias alternativas olha mais polo  bemestar  comunitário,  enquanto  que  a  liberdade  negativa  tem  no  ponto  de  mira  o bemestar dos indivíduos mais fortes, que nas  nossas  sociedades  coincidem  em  termos  gerais  com  os  indivíduos  mais  ricos.  Aos ricos interessalhe que exista um governo forte capaz de reprimir as protestas dos cidadãos, que libere de travas o mundo dos negócios e um sistema de comunicação que pregoe as bondades das suas políticas e desacredite as políticas dos adversários.

O governo  de  Mariano  Rajoy  tinhao  bem  claro  quando  formou  governo  no  2011.  Cambiou  o  sistema  de  nomeação  do  diretor  geral  de  RTVE para que fizer propaganda  a  favor  do  governo  em  vez  de  estar  ao  serviço  de  toda  a  cidadania,  tática  que  reproduziu  Ayuso  uma  vez  que  foi  elegida  presidenta    da    comunidade   de   Madrid.

Para   reprimir   com   mão  dura  as  manifestações e protestas dos cidadãos, promulgou a lei mordaça que, em vez de garantir o direito de protestar e manifestarse facilitou o labor das forças repressoras das protestas e manifestações; desprotegeu totalmente os trabalhadores  mediante  a  priorização  dos  convênios  de  empresa  sobre  os  de  setor  e  a  rebaixa  nas  indemnizações  por  despido;  desta maneira drenou os recursos das classes  baixas  e  meias  cara  as  classes  altas  e  os  que  dominam  os  meios  de  produção.  A  consequência  lógica  foi  a  concentração  de  capitais  em  poucas  mãos,  com  uma  escandalosa desigualdade social e a emigração do dinheiro a paraísos fiscais.

Para   que   uma   sociedade   se   desenvolva  dum  jeito  harmônico  e  integrado  cumpre  estender  as  restrições  sociais  para  ter  em  conta  também  a  preservação  básica  da  igualdade. É razoável exigir que numa sociedade não só exista ordem e segurança, senão também que todos possam comer, ter onde albergarse e o meios necessários   para   formarse  e  criar  uma  família.  Além  disto,  creio  que  a  pandemia  que  estamos  a  sofrer  veu demonstrar sobradamente que o estado mínimo e o estado gendarme devem ser superados e, em vez de indivíduos grupos sociais fortes, temos que dotarnos de estados fortes  e  previsores  que  não  permitam  desmantelar o sistema de produção e bemestar e deixarnos à mercê doutros países que dominem o devir social en beneficio próprio.

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