Opinión

Ser ou dever ser nas eleições galegas

As eleições galegas voltaram a consolidar as duas principais forças galegas, que poderiam representar, ainda que em traços muito gerais, as duas visões do mundo que os galegos podem ter da nossa realidade, a do ser e a do dever ser. Uma vê a nossa nação tal como é, aceita-a, gosta e sente-se bem com ela, até orgulha dela; é a Galiza do ser. A outra vê-a como defeituosa, não gosta da realidade política e cultural da Galiza, não se sente bem com ela e gostaria de a mudar, adaptando-a a um modelo ideal, seja ele abstrato ou inspirado noutra realidade social; é a Galiza do dever ser. Creio, sem estar muito enganado, que responde aos dois principais tipos de eleitores que temos no país.

O primeiro grupo, sempre entendido como um tipo ideal, poderia ser associado aos galegos imbricados com a sua cultura, não só no aspeto linguístico, mas também no seu modo de vida, religiosidade tradicional, cultura culinária ou festiva. Incorpora muitos dos estereótipos que se têm sobre a população galega fora (retranca, responder com outra pergunta, ambiguidade), que não são menos fundados por o serem. Do ponto de vista político, segue também os costumes tradicionais da nação e entende a política como uma troca baseada na confiança mútua, desconfiando de ideologias complexas e sistemas abstratos. Trata-se, portanto, de uma relação política muito personalizada e o político que quiser ter sucesso entre eles deve ser visto nos lugares que frequentam e nas ocasiões em que se reúnem, como missas, romarias, casamentos ou funerais, de tal forma que os votantes desconfiam de quem não o faz. As suas fontes de informação política são muito centradas no país, quer na imprensa local, quer na TVG, que é muito influente nestes sectores. A sua memória de voto tende a ser conservadora, no sentido em que tendem a votar sempre na mesma opção política, desde que esta não lhes falhe, como é lógico num segmento da população que também é fiel à sua religião, língua e tradições. 

O segundo tipo ideal não se sente menos galego do que o primeiro, mas entende que a Galiza, e sobretudo a sua forma de ver a política, deveria ser diferente e, por isso, não se sente confortável com a realidade atual. Constituem os sectores sociais mais afastados da cultura galega tradicional, em todos os seus aspectos, quer linguísticos quer de costumes, e sentem-se mais à vontade com os elementos culturais de um mundo globalizado (que na Galiza são previamente filtrados pelo filtro espanhol). Politicamente, recorrem a conceitos abstratos das ciências sociais, adquiridos no mundo académico ou na educação formal, que na Galiza foram por vezes utilizadas para afastar o indivíduo da sua cultura de origem, fazendo-o ver que os modos de vida seguidos pelos mais velhos são atrasados ou típicos de ignorantes. Este facto manifesta-se sobretudo no ódio a si próprio que se transmite as vezes nestas instituições em relação às formas políticas ou religiosas da sua própria cultura (até há pouco tempo também em relação à sua língua), que são vistas como algo a superar.

Do ponto de vista político, tendem a inspirar-se em ideologias e valores universalistas, incluindo a sua compreensão do nacionalismo. Suas fontes de informação sobre política baseiam-se nas redes sociais e, nalguns casos nos meios de comunicação social espanhóis e, por vezes, internacionais. Isto significa que não compreendem as formas nacionais de política e tendem a procurar referências no estrangeiro, ou seja, preferem a forma de fazer política em Paris à do local de origem dos seus avós. São, como é normal, menos fiéis no seu voto, pois são mais influenciados pelas modas políticas do momento.

O leitor pode agora decidir a quem correspondem os votos de cada partido e tirar consequências para o futuro.

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