Opinión

Viva Argentina, carajo!

O futebol converteu-se num tema de especulaçom para o capitalismo e um espetáculo sem valores e o Mundial é exemplo disso.

Quando começo a escrever estas linhas faltam pouco mais de quarenta e oito horas para que comece a rolar o balom no estádio de Lusail, em Doha. A Argentina e a França jogarám a final do mundial da vergonha, da hipocrisia, o do boicote a meias que muitos figemos no sofá da casa enquanto vibramos com as gambetas de Messi e alentando a Argentina como se fôssemos pibes do bairro de La Boca, ao lado da Bombonera.

Acontece que, mais umha vez, o futebol, o maldito futebol, esse que em palavras de Galeano se assemelha a Deus na devoçom que lhe tenhem muitos crentes e na desconfiança que lhe tenhem muitos intelectuais, está a obrigar-me a gerir estas semanas mais contradiçons das que sou capaz de assumir.

Talvez a maior seja a de nom me ter somado de maneira ativa ao boicote internacional contra este mundial que a FIFA, com muitas comissons e subornos polo meio, levou o regime feudal qatari. Mas como já sabia como ia ir a cousa, evitei afirmar categoricamente que nom ia ver nengum jogo.

O futebol, desporto e diversom de milhons de pobres em todo o mundo, converteu-se num tema de especulaçom para o capitalismo e um espetáculo sem valores e este mundial é claro exemplo disso. Qatar 2022 é mais um investimento da família Al-Zani, que aumenta o seu capital em detrimento da classe trabalhadora, o meio ambiente e os valores do desporto.

Desde 2010, e segundo dados de Amnistia Internacional, terám sido assassinados polo terrorismo patronal 15.021 trabalhadores, praticamente na sua totalidade imigrantes bengalis, nepaleses e indianos. Os baixos salários, a proibiçom de se sindicalizar, de contar com férias ou a Kalafa, polo qual os passaportes das trabalhadoras ficam retidos e portanto podem ser expostas a chantagens e pressons, conformar o combo da precariedade laboral no reino qatari.

Por fazer memória, na Rússia, no Brasil, Sul África, Alemanha, Coreia do Sul, Japom, França ou nos EUA, o respeito aos direitos humanos, o terrorismo ambiental ou a precariedade laboral com muitas mortes acima da mesa nom diferiu muito do que aconteceu no Qatar. Já esquecemos que em 2006 se denunciou o tráfego de mais de 40.000 mulheres para serem exploradas sexualmente durante o mundial da Alemanha e cumprir com a demanda dos puteiros chegados de todo o mundo?

Talvez podamos começar já com o boicote aos EUA do próximo mundial para denunciar a aboliçom do direito constitucional ao aborto, as guerras imperialistas e polo trato que recebem as pessoas indígenas e racializadas.

Outra das minhas contradiçons chegou nos oitavos de final. Como dizia aquela camisola "Eu tenho duas seleçons, Galiza e qualquer que jogar contra Espanha". Por isso, enquanto Villares, Aspas, Borja Iglesias, ou Angeliño vistam as cores da irmandinha representando-nos num mundial, toca desejar toda derrota do combinado espanhol, ainda que esta seja contra Marrocos. Ainda que o mundo árabe e amazigh veja representada nos Hakimi e companhia umha seleçom popular solidária com a luita palestiniana, a realidade é que esses mesmos jogadores nom duvidam em se colocar do lado opressor cantando o "Saara é marroquino" nas suas celebraçons. O êxito da seleçom alauita serviu ao regime de Mohamed VI para ocultar a grave situaçom socioeconómica que está a sofrer a populaçom marroquina.

Quando escrevo as últimas linhas do artigo, a Argentina do "nosso" Scaloni já é campeá do mundo, chegou a ansiada terceira e aquele pibe cara suja de Rosário, com permissom de "el Diego", converteu-se hoje, por méritos próprios, no melhor jogador da história do futebol.

O mundial do Qatar chega ao seu fim. Seguiremos odiando o futebol moderno. Seguiremos sentindo falta de jogadores como Sócrates ou Cantona. Aguardaremos outra equipa como aquela URSS negando-se a jogar no Estádio Nacional, cenário da barbárie da ditadura de Pinochet.

Hoje, em qualquer parte do mundo, continuará a rolar a bola, num estádio, numha escola ou em qualquer praça e seguirá a ser assim inclusive depois de conseguirmos derrotar o modo de produçom capitalista; entretanto, eu continuarei a assumir todas e cada umha das contradiçons provocadas pola devoçom que sinto por esta perversa cultura de massas.

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