Opinión

A espada de Bolívar

Se Karl vivesse hoje já se teria somado ao berro popular: "Alerta, que camina, la espada de Bolívar, por América Latina!".

Umha das polémicas da semana passada gerou-se quando Felipe VI nom se ergueu perante o passagem da espada de Simón Bolívar durante a nomeaçom do novo presidente da Colômbia, Gustavo Petro. A arma, utilizada contra as tropas espanholas durante a gesta independentista, é um símbolo da luita contra o colonialismo e de unidade latino-americana.

Semelha que, 200 anos depois, a espada do "Libertador" continua a roer à Casa Real espanhola, daí o significativo gesto político da sua majestade em Bogotá.

Quem si se levantou a bater palmas perante a atitude do "preparado", e com grande empolgamento, foi o nacionalismo espanhol, tanto o político quanto o mediático. Vox, o Partido Popular, amplos setores do PSOE e os colunistas do regime parabenizárom e justificárom o posicionamento de Felipe VI. Também houvo quem, citando um artigo de 1857 de Karl Marx, aproveitou para atacar o prócer independentista venezuelano, disparar contra os soberanismos e, de passagem, defender a decisom do Bourbom.

Mas que dixo Marx? A finais de 1857, enquanto redigia a primeira versom d’O Capital, Marx publicava um desafortunado trabalho jornalístico-biográfico intitulado Bolívar e Ponte onde se esforça em caluniar Bolívar, envolvendo-o numha sorte de bonapartismo reacionário.

É preciso lembrarmos que para sobreviver no seu exílio londrino, Karl Marx começa em 1851 a trabalhar como jornalista, colaborando a distáncia, por convite de Charles Anderson Dana, com o New York Daily Tribune, na altura um dos jornais mais lidos dos EUA. Marx reconhece na sua correspondência que este trabalho é por necessidade e que "o contínuo esterqueiro jornalístico o aborrece". No total publicou 487 artigos, 125 escritos polo seu amigo Engels, mas assinados por ele. Esta parceria com o jornal estadunidense finaliza em 1862.

Em Abril de 1857, Dana convida Marx a colaborar sobre temas militares na Nova Enciclopédia Americana. Entre outros, Marx escreve o citado artigo, Bolivar e Ponte, onde fai umha avaliaçom muito negativa de Bolívar, sem compreender o papel do Libertador na emancipaçom continental do colonialismo espanhol nem o seu projeto de construçom da "Pátria Grande".

Com certeza, as fontes historiográficas achadas por Marx no British Museum, claramente contrárias ao líder independentista, forjam nele umha opiniom preconceituosa em relaçom a Bolívar. Oportunista, cobarde, traidor, fanfarrom, irresponsável, ditador… som alguns dos qualificativos que Marx utiliza para se referir a Simón Bolívar com um estilo de escrita e investigaçom insólito na prática totalidade da sua obra. No entanto, é bom nom esquecermos de que o pequeno ensaio biográfico se alicerçou, nomeadamente, nos trabalhos de três militares europeus que, por diversos motivos, mantivérom conflitos pessoais com Bolívar. Mas nom só Marx se enganou com Bolívar; várias décadas depois o argentino Aníbal Norberto Ponce, um dos  principais fundadores do marxismo latinoamericano, teima no erro e publica na revista Dialéctica um artigo apelando ao de Marx e rejeitando toda ligaçom com a herdança bolivariana.

Terá de ser Ernesto Che Guevara, mesmo mantendo Aníbal Ponce como referente intelectual, quem se afaste da crítica de Marx a Bolívar por considerar que se lhe pode "evidentemente, objetar certas incorreçons". Che, além de Martiniano, era um bolivariano ferrenho. Sem nengumha dúvida o seu projeto de "Pátria Grande" anti-imperialista e socialista está inspirado no seu ideário independentista.

Hoje, no século XXI, Bolívar continua a aguilhoar novas rebeldias, assumindo um viçoso leque de formas de luita, quer movimentos sociais, quer governos bolivarianos do ALBA quer insurgências guerrilheiras. No horizonte, o sonho rebelde da Pátria Grande: umha única naçom latino-americana, umha revoluçom socialista a nível continental e mundial. Isto é o que realmente proe e o que representa simbolicamente a espada.

Se Karl vivesse hoje nom duvido que já teria feito autocrítica e se teria somado ao berro popular latino-americano: "Alerta, que camina, la espada de Bolívar, por América Latina!".

Comentarios